domingo, 12 de agosto de 2012

Texto Integral da Lei de Introduçãos às normas do Direito Brasileiro, antiga LICC

Presidência da República
Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos
Vide Decreto-Lei nº 4.707, de 1942
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.(Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010
O Presidente da República
, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta:
Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei 2.145, de 1953) (Vide Lei nº 2.410, de 1955) (Vide Lei nº 3.244, de 1957) (Vide Lei nº 4.966, de 1966) (Vide Decreto-Lei nº 333, de 1967)
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)
§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.
Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem.
§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptiveis de desapropriação.
§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
§ 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art.105, I, i da Constituição Federal).
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
Parágrafo único. No caso em que a celebração dêsses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121o da Independência e 54o da República.
GETULIO VARGAS
Alexandre Marcondes Filho
Oswaldo Aranha.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.9.1942

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Conferência da CISG PUC-Rio e ILA palestras dos Prof. Alejandro Garro e John Gotanda

Conferência Cisg, dia 25 parte da tarde, Profs. Alejandro Garro e John Gotanda

Na parte da tarde do 1º. Dia, houve duas conferências sobre alguns pontos específicos da convenção, um sobre a interpretação das regras relativas à força maior e a outra sobre a questão da recuperação de danos, no âmbito de aplicação da convenção.

Na 1ª., palestra, o Prof. Alejandro Garro, da Columbia University, fez sua conferência a respeito da questão da força maior na Convenção de Compra e Venda Internacional, uma análise do artigo 79. Este artigo dá uma obrigação ao devedor de comprovar a situação que estabelece a força maior. No seu Parágrafo 3º, há uma exceção enquanto o impedimento durar. É uma situação temporária e não definitiva.

Um exemplo de impedimento de entrega de mercadorias seria se houvesse uma greve. Mas ainda assim deveria ser provado se isso é comum na área, se há outra possibilidade de cumprir o contrato, etc...

Por sua vez, ainda dentro do tema da força maior, analisou o artigo 79, que se aplica a compradores e vendedores. Isso é importante porque, por exemplo no caso do Uniform Commercial Code, UCC, esta obrigação se dirige somente ao vendedor. Outra situação que não é coberta pelas regras de força maior é a relativa uma falência, pois a falência de uma das partes não é considerada como uma situação de força maior para os tribunais, sendo considerada como risco do negócio.

Um último elemento sobre a questão da força maior: mesmo em uma situação em que, depois de provado que o elemento causador da força maior era improvável, é preciso comprovar que a parte não poderia ter prevista. O Professor deu ainda vários exemplos interessantes da aplicação do artigo 79,

A segunda palestra da tarde foi com o prof. John Gotanda, de Villanova University, que falou sobre a área de danos da CISG. A questão da obtenção dos danos está bem colocada no artigo 74, onde há três hipóteses: perdas diretas; danos acidentais, e perdas por despesas não previstas.

O artigo 75 e 76 são alternativas ao artigo 74. O artigo 76 permite a aplicação de danos por uma transação perdida. No artigo 77, há precisão para recuperar por danos pela transação que não ocorreu. Como, na prática, as partes tem conseguido recuperar perdas através das regras da CISG. Houve estudos sobre isso, e em relação a outras áreas, a CISG foi considerada como melhor para os que reclamam perdas via CISG do que aqueles que reclamam danos em áreas de investimento.

É mais fácil determinar se há uma reclamação consistente em casos de CISG do que em outros, por conta da clareza das normas da convenção.

Um ponto interessante da palestra foi a questão de se é possível recuperar honorários de advogados no escopo da CISG. Nos Estados Unidos, no caso Zapata hermanos sucesores v. Hearthside baking co, que não, pois essa era uma questão processual e, portanto, de direito interno. Esta é a posição nos Estados Unidos, tendo em vista que Juiz Posner é um juiz muito respeitado nos Estados Unidos. Em outros países a questão foi decidida de outra forma, dentro da CISG, de que os danos devem ser cobrados.

Ao final, conclui que a CISG atingiu seu objetivo ao ter provisões específicas para as perdas econômicas em muitos casos. Mas há um claro nessa área, que tem sido preenchida pelo direito interno, que o não ajuda a uniformidade de interpretação. Acredita que deveria ser usado um método pró- CISG para dar maior segurança jurídica à situação. Acredita que a regra deve ser previsível, seja de um lado ou do outro, e de preferência, em uma visão pró-convenção.

Notícias do Seminário sobre a Convenção da Uncitral de Compra e Venda Internacional - PUC e ILA 25 de junho de 2009

Abertura do Seminário sobre a Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Venda Internacional de Mercadorias (CISG) – ILA Brasil e PUC-Rio
25 de junho –

O seminário foi aberto pelo Professor Eduardo Grebler, Presidente do ramo brasileira da ILA, que assinalou a importância da Convenção das Nações Unidas sobre os contratos de compra e venda internacional (conhecida pela sigla em inglês CISG e ainda sem apelido no Brasil), para o comércio internacional. Dado ao seu sucesso e adoção por tantos países, hoje 74, surge a pergunta sobre a razão pela qual alguns países não são ainda partícipes, como Grã-bretanha e Brasil. No caso do Brasil, não há incompatibilidade com o ordenamento jurídico interno, mas a uma falta de articulação da sociedade, através de seus operadores interessados no tema, para superar o descompasso que causa a ausência do Brasil no rol de partícipes desta convenção.

A idéia desse seminário é justamente o de ocupar esse espaço e auxiliar a maior visibilidade da convenção no Brasil, procurando canalizar os esforços para que os legisladores possam se dar conta de que sua adoção é tema de interesse nacional e auxiliaria a maior inserção do Brasil no comércio internacional.

Por isso, um dos pontos altos do seminário será a mesa-redonda da 6ª. Feira, com representantes do governo, da sociedade civil e dos operadores jurídicos, para discutir em profundidade os prós e contras da adoção da convenção no Brasil.

Em seguida, o Prof. Lauro Gama falou do imenso prazer que a PUC-Rio tem em sediar o evento, aliada a uma imensa responsabilidade do Departamento de Direito, de assumir o papel de dar formação a seus alunos também em temas internacionais, no qual a convenção é um dos pilares do estudo do direito internacional.

Gustavo Brigagão, representando o CESA, louvou a iniciativa da PUC e acredita que do evento surjam resoluções e soluções e tentativas no sentido de que essas regras passem a integrar o direito brasileiro.

Por fim, o Dr. Luca Castellani, representante da Uncitral no evento, relatou o seu prazer e honra em participar do evento, representando o Secretário Geral da Uncitral, Mr. Renaud Soriel. Para ele, a participação da Uncitral na modernização do direito do comércio internacional é um dos trabalhos mais importantes da organização, que é o órgão principal da ONU para a regulamentação do Comércio Internacional. Conhece bem o trabalho de juristas brasileiros e tem a exata noção da expertise de juristas brasileiros no direito do comércio internacional, em especial através do trabalho de José Estrela Faria, que trabalhou na organização e agora é secretário geral do UNIDROIT. Por tudo isso, agradecia a ILA, e a PUC-Rio que facilitaram essa reunião. Antes de sua vinda, procurou verificar a colaboração do Brasil para a CISG, que participou da conferência de aprovação, mas quer apontar que o Brasil de 1980 é diferente daquele da época. Hoje o Brasil é um global trader de 1ª. linha, e um dos partícipes do grupo de países que forma o BRIC.

Por isso é importante este seminário, especialmente pela existência de muitos jovens platéria. Soube que nos últimos anos o Brasil aumentou muito seu comércio com a China e a África. A China baseia todo o seu comércio na CISG e o Brasil, ao adotar a convenção, além da sua utilização com a China, poderia ainda ajudar a disseminação da CISG também na África.

Em seguida, a Prof. Nadia de Araújo proferiu a primeira palestra do dia, com uma introdução sobre a Conenção e a harmonização entre os sistemas da common law e do direito civil.

A Prof. Nadia de Araújo trouxe informações sobre a criação da Convenção, a partir do projeto de Ernst Rabel, apresentado ao UNIDROIT em 1928, e suas principais características. Mas aproveitou a oportunidade para esclarecer o papel do DIPr em relação à convenção e a importância da uniformização das regras substanciais sobre a compra e venda internacional, evitando soluções divergentes a regra de conexão tradicional fosse aplicável. Essa situação, de que nos países contratantes, o direito material é uniformizado quando a convenção está em vigor, evita soluções materiais divergentes, para os estados-parte da convenção em face das regras de dipr. Isso promove maior certeza e segurança jurídica entre os operadores jurídicos e faz com que o comércio internacional flua sem maiores dificuldades.

A segunda palestra da manhã foi dada pelo Prof. Siegfried Eiselen, que falou sobre questões específicas da convenção, com relação aos problemas relativos a execução do contrato, como defeitos de uma mercadoria entregue e sobre quem recai a responsabilidade, pelas regras da convenção, dando alguns exemplos da jurisprudência suíça à respeito.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

1A - CR 8279

CARTA ROGATÓRIA 8279

T r a n s c r i ç õ e s
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares
Carta Rogatória nº 8.279-República Argentina
Ministro Celso de Mello (Presidente):
MERCOSUL. Protocolo de Medidas Cautelares (Ouro Preto/MG). Ato de direito internacional público.

Convenção ainda não incorporada ao direito interno brasileiro. Procedimento constitucional de incorporação dos atos internacionais que ainda não se concluiu. O Protocolo de Medidas Cautelares adotado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em dezembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais em torno da questão da executoriedade das convenções ou tratados internacionais no âmbito do direito interno brasileiro. Precedentes: RTJ 58/70, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO - ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

Trata-se de carta rogatória expedida pela Justiça da República da Argentina com a finalidade de
viabilizar a efetivação, em território brasileiro, de atos de caráter executório (fls. 6).

A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pela concessão do exequatur, fundamentou-se na existência do Protocolo de Medidas Cautelares celebrado, no âmbito do MERCOSUL, pelos Governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Em seu parecer, o Ministério Público Federal enfatizou que “O objeto da carta encontra respaldo no Protocolo de Medidas Cautelares firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que prevê a possibilidade de cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação à pessoas, bens e obrigações de dar, e fazer e não fazer, desde que atendidos os requisitos do art. 21 da mesma Convenção, o que ocorre no presente caso” (fls. 52/53).

Não obstante as valiosas ponderações expendidas pela Procuradoria-Geral da República, entendo incabível a concessão de exequatur na espécie destes autos, eis que as diligências rogadas pela Justiça argentina revestem-se de nítido caráter executório.
Essa particular característica da medida judicial ora solicitada na presente carta rogatória basta, por si só, para inviabilizar a pretendida concessão de exequatur, no que concerne à efetivação dos atos de índole executória.

É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em tema de cartas rogatórias passivas, tem, invariavelmente, repelido a possibilidade jurídica de concessão do exequatur para efeito de realização, em território brasileiro, de diligências de natureza executória:
“Sempre se entendeu que as cartas rogatórias executórias são insuscetíveis de cumprimento
no Brasil. É preciso notar, porém, que o caráter executório de uma rogatória se há de aferir, não pela natureza da demanda que lhe dá origem, mas pela finalidade que a anima, traduzida na realização, no Brasil, de atos de constrição judicial inerentes à execução forçada.” (RTJ 72/659-667, 664, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO - trecho do voto do Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE - grifei)

“(...) constitui princípio fundamental do direito brasileiro sobre rogatórias o de que nestas não se
pode pleitear medida executória de sentença estrangeira que não haja sido homologada pela Justiça do Brasil.”(RTJ 93/517, 519, Rel. Min. ANTONIO NEDER - grifei)

“A Carta Rogatória é a solicitação de autoridade judiciária estrangeira para autoridade judiciária
brasileira, ou vice-versa, tendo por objeto a realização de um ato processual relativo a um pleito. A carta pode ter por escopo a citação, intimação, notificação, inquirição, exames, etc...Na tradição do direito brasileiro, inspirada no princípio da cooperação judiciária internacional, sempre se acolheu a Carta Rogatória com a finalidade de citação ou inquirição. Isto já vem do Aviso nº 1, de 1º de outubro de 1847, contanto que fosse desprovida de caráter executivo (...)

...............................................................................

(...) Ora, a jurisprudência desta Corte é pacífica em conceder exequatur à Carta Rogatória de
intimação, porque ela não requer a prática de qualquer ato de execução.”
(RTJ 103/536, 541, Rel. p/ o acórdão Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

Essa orientação jurisprudencial - reiterada em outros julgamentos do Supremo Tribunal Federal (CR 5.715 - CR 6.958) - encontra apoio em autorizado magistério doutrinário, que, na análise do tema, e na perspectiva do sistema jurídico brasileiro, adverte que as cartas rogatórias passivas não podem revestirse de eficácia executória (HERMES MARCELO HUCK, “Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria”, p. 35/39, item n. 6, 1994, Saraiva; WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, “Tratado de Direito Internacional Privado”, vol. II/408-409, 2ª ed., 1977, RT; AMILCAR DE CASTRO, “Direito Internacional Privado”, p. 585-586, item n. 334, 4ª ed., 1987, Forense; AGUSTINHO FERNANDES DIAS DA SILVA, “Direito Processual Internacional”, p. 170, item n. 179, 1971, Rio de Janeiro; HAROLDO VALLADÃO, “Direito Internacional Privado”, vol. III/176, 1978, Freitas Bastos; OSCAR TENÓRIO, “Direito Internacional Privado”, vol II/370, item n. 1.216, 11ª ed., 1976, Freitas Bastos; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 304, item n. 6, 1994, Saraiva, v.g.).

Vê-se, portanto, que constitui característica fundamental do sistema normativo brasileiro a préexclusão de qualquer atividade de índole executória em tema de cartas rogatórias passivas (vale dizer, aquelas expedidas por Tribunais estrangeiros e dirigidas ao Supremo Tribunal Federal), pois, em tal hipótese, impor-se-á a necessária e prévia homologação da respectiva decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento específico a ser instaurado, no âmbito desta Corte, nos termos do CPC (arts. 483 e 484) e do RISTF (arts. 215 a 224).

Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a
prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação), consoante expressamente autorizado pelo magistério jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 52/299 - RTJ 87/402 - RTJ 95/38 - RTJ 95/518 - RTJ 98/47 - RTJ 103/536 - RTJ 110/55).

Não constitui demasia enfatizar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no
sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas revestidas de caráter executório, ressalvadas, unicamente, aquelas expedidas com fundamento em atos ou convenções internacionais de cooperação interjurisdicional (CR 7.899, Rel. Min. CELSO DE MELLO - CR 7.618 (AgRg), Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - CR 7.914, Rel. Min CELSO DE MELLO - CR 8.168, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

No caso ora em análise, observo, como precedentemente já enfatizado, que as diligências
solicitadas pela Justiça rogante revestem-se de caráter executório. Sendo insuscetível de cumprimento, em nosso País, mediante simples procedimento rogatório, a diligência em questão, revela-se inviável, no caso, a concessão do pretendido exequatur.

Nem se alegue, para justificar a pretendida concessão de exequatur, que as diligências rogadas -
embora de caráter executório - encontrariam fundamento em convenção internacional consubstanciada no Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994. É que esse ato de direito internacional público, muito embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República.

Na realidade, o Protocolo de Medidas Cautelares (MERCOSUL) - que se qualifica como típica
Convenção Internacional - não se incorporou definitivamente à ordem jurídica doméstica do Estado brasileiro, eis que ainda não se concluiu o procedimento constitucional de sua recepção pelo sistema normativo brasileiro.

A questão da executoriedade dos tratados internacionais no âmbito do direito interno - analisado
esse tema na perspectiva do sistema constitucional brasileiro, tal como resultou debatido no julgamento da ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - supõe a prévia incorporação desses atos de direito internacional público ao plano da ordem normativa doméstica.

Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por CHARLES ROUSSEAU (“Droit International Public Approfondi”, p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público, como mera “discussion d’école”, torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República. Daí a precisa observação de JOÃO GRANDINO RODAS (“Tratados Internacionais”, p. 17, item n. 8, 1991, RT):

“É corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o
conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo, não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os
tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação.” (grifei)

Não obstante tais considerações, impende destacar que o tema concernente à definição do
momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo, pois cabe à Constituição da República - e a esta, somente - disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tratados internacionais.

Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada).

Uma coisa, porém, é absolutamente inquestionável sob o nosso modelo constitucional: a ratificação

- que se qualifica como típico ato de direito internacional público - não basta, por si só, para promover a automática incorporação do tratado ao sistema de direito positivo interno. É que, para esse específico efeito, impõe-se a coalescência das vontades autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujas deliberações individuais - embora necessárias - não se revelam suficientes para, isoladamente, gerarem a integração do texto convencional à ordem interna, tal como adverte JOSÉ FRANCISCO REZEK (“Direito Internacional Público”, p. 69, item n. 34, 5ª ed., 1995, Saraiva).

Desse modo, e para além da controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas, impõe-se reconhecer que, em nosso sistema normativo, é na Constituição da República que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasileiro. Para esse efeito, a Lei Fundamental da República qualifica-se como a sedes materiae que se mostra essencial à identificação do procedimento estatal concernente à definição do momento a partir do qual as normas constantes de tratados internacionais passam a vigorar, com força executória, no plano do sistema jurídico nacional.

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão pertinente à inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro, destacou - na perspectiva da disciplina constitucional que rege esse processo de recepção - que, “Aprovada essa Convenção pelo Congresso Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna” (RTJ 58/70, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO).

Esse entendimento jurisprudencial veio a ser confirmado e reiterado no julgamento da ADI nº 1.480- DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ocasião em que se enfatizou, uma vez mais, que o decreto presidencial, que sucede à aprovação congressual do ato internacional e à troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema jurídico doméstico - manifestação essencial e insuprimível, especialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Lapidar, sob essa perspectiva, a decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que, bem apreciando a questão da integração dos tratados internacionais ao nosso direito interno - e refletindo o próprio magistério da doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/21, 1992, Saraiva) -, acentuou:

"...No direito brasileiro, dá a Constituição Federal competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional (...). Por outro lado, tem o Congresso Nacional competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados e convenções celebrados com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República (...). Assim, celebrado o tratado ou convenção por representante do Poder Executivo, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, com a publicação do texto em português no órgão de imprensa oficial, tem-se como integrada a norma da convenção internacional no direito interno." (grifei) (Revista de Jurisprudência do TJRS, vol. 4/193, Rel. Des. PAULO BOECKEL VELLOSO)

O eminente Ministro FRANCISCO REZEK, hoje Juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia, ao discorrer sobre esse tema em valiosíssima obra monográfica ("Direito dos Tratados", p. 384/386, itens ns. 321 e 322, 1984, Forense), ressalta a imprescindibilidade da promulgação e da publicação, por ordem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil (desde que já definitivamente aprovados pelo Congresso Nacional), sob pena de absoluta ineficácia jurídica desses atos internacionais no plano doméstico:

"O ordenamento jurídico, nesta república, é integralmente ostensivo. Tudo quanto o compõe - resulte de produção legislativa internacional ou doméstica - presume publicidade oficial e vestibular. Um tratado regularmente concluído depende dessa publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário.
...............................................................................

No Brasil se promulgam, por decreto do Presidente da República, todos os tratados que tenham feito objeto de aprovação congressional.

..............................................................................

Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do Chefe de Estado costumam ter esse nome.(...). Vale aquele como ato de publicidade da existência do tratado, norma jurídica de vigência atual ou iminente. Publica-os, pois, o órgão oficial, para que o tratado - cujo texto completo vai em anexo - se introduza na ordem legal, e opere desde o momento próprio." (grifei).

Vê-se, portanto, que a aprovação congressual e a promulgação executiva atuam, nessa condição,
como pressupostos indispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo interno, da convenção internacional celebrada pelo Brasil (CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, "Curso de Direito Internacional Público", vol. 1/125, itens 89 e 90, 4ª ed., 1974, Freitas Bastos; HILBEBRANDO ACCIOLY, "Tratado de Direito Internacional Público", vol. I/577 e 601-603, itens 904 e 933-935, 2ª ed., 1956, RJ).

Torna-se irrecusável admitir, portanto, que o Protocolo de Medidas Cautelares celebrado no âmbito do MERCOSUL ainda não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno do Brasil, razão pela qual não pode ele ser invocado, no plano doméstico, como fundamento de concessão do exequatur, em tema de cartas rogatórias com efeito executório.

Cumpre assinalar, finalmente, que os atos internacionais, uma vez regularmente incorporados ao
direito interno, situam-se no mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconstitucionais.

Essa visão do tema foi prestigiada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 80.004-SE (RTJ 83/809, Rel. p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO), quando se consagrou, entre nós, a tese - até hoje prevalecente na jurisprudência da Corte (e recentemente reiterada no julgamento da ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - de que existe, entre tratados internacionais e leis internas brasileiras, de caráter ordinário, mera relação de paridade normativa.

A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, por isso mesmo, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas (JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DORIA, "Da Lei Tributária no Tempo", p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA, "Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário", p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, "Curso de Direito Internacional Privado", p. 108/112, 1978, Forense; JOSÉ FRANCISCO REZEK, "Direito dos Tratados", p. 470/475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.).

A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito
interno somente ocorrerá - presente o contexto de eventual situação de antinomia com o
ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade (RTJ 70/333 - RTJ 100/1030 - RT 554/434).

De qualquer maneira, impõe-se aguardar, no caso ora em análise, a definitiva incorporação, ao
sistema de direito positivo interno brasileiro, do Protocolo de Medidas Cautelares aprovado no âmbito do MERCOSUL, sem o que esse ato de direito internacional público não poderá ser aplicado, no âmbito doméstico, pelas autoridades nacionais.

Assim sendo, e tendo em consideração as razões expostas, nego exequatur à presente carta
rogatória. Devolva-se, por via diplomática, a presente comissão rogatória, à Justiça rogante.
Publique-se.

Brasília, 04 de maio de 1998

1B - CR 8279 Agravo Regimental

CR 8279 – Agravo Regimental

Supremo Tribunal Federal - Informativo 196

Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares (Transcrições)
Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares (Transcrições)
CR (AgRg) N. 8.279-ARGENTINA* (v. Informativo 115)

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

E M E N T A:
MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA - DENEGAÇÃO DE
EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES (OURO PRET0/MG) -
INAPLICABILIDADE, POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO
INTERNACIONAL CUJO CICLO DE INCORPORAÇÃO, AO DIREITO IN TERNO DO
BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA
DO EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O
DIREITO NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E DA
APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA PREVISÃO NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE
RECEPÇÃO PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS, MESMO DAQUELES
FUNDADOS EM TRATADOS DE INTEGRAÇÃO - REC URSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS
ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA
FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

- A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma
disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira,
dos tratados ou convenções internacionais em gera l. É, pois, na Constituição da República, e não
em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

- Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição
privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil
no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica a dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL).

- A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito
do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão
causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação,
pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses
atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c)
promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade d o ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Precedentes.

O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO
DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.

- A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata.
Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o
direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser
invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

- O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasi l. Magistério da doutrina.

- Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração,
ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL.

* acórdão pendente de publicação

1C - AI 593779 STF

AI 593779 / DF - DISTRITO FEDERAL
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 25/10/2006
Publicação
DJ 29/11/2006 PP-00064

Partes

AGTE.(S): VARIG S/A - VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE
ADV.(A/S): VICTOR RUSSOMANO JÚNIOR E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): ITAÚ SEGUROS S/A
ADV.(A/S): RENATO DELEUSE VENNA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): MICHELLE LOPES RODRIGUES E OUTRO(A/S)

Despacho

DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, interposto em face de acórdão assim ementado (fl. 244):

"AÇÃO DE RESSARCIMENTO - TRANSPORTE
AÉREO - CARGA DANIFICADA - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - RESPONSABILIDADE TARIFADA - INAPLICABILIDADE.

1. Embora tenham sido introduzidos novos Protocolos à Convenção de Varsóvia após o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo o valor da indenização por dano durante o transporte de carga é integral, não subsistindo a responsabilidade tarifada. Precedentes do STJ.

2. A Seguradora sub-roga-se em todos os privilégios e ações conferidas ao Consumidor.

3. Apelo improvido.

" No voto condutor do acórdão restou consignado (fl. 249): "Quando se tratar de transporte aéreo internacional, prevalece o entendimento jurisprudencial pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor em detrimento de qualquer outra legislação especial, inclusive da Convenção de Varsóvia. Sendo assim, a responsabilidade do transportador aéreo, pelo extravio de bagagem ou mercadoria, consiste em indenizar o consumidor pelo valor da mercadoria,ficando afastada a indenização tarifada que corresponderia apenas ao quantum indenizatório, a ser obtido pelo peso da mercadoria transportada." Alega-se violação ao artigo 178, da Carta Magna. Nas razões de recurso extraordinário sustenta que:

"Tal questão é de natureza eminentemente constitucional, tendo em vista que a tese defendida pela Recorrente é que, em se tratando de ação de indenização em decorrência de contrato de transporte, não se aplicam as regras gerais, de natureza infraconstitucional, sobre o direito intertemporal, mas sim aquelas previstas no artigo 178 da Constituição Federal. Na hipótese do transporte aéreo nacional e internacional, o conflito de leis foi disciplinado pela própria Constituição Federal, que deixou claro que deverá prevalecer sempre a lei que 'disporá sobre a ordenação do transporte aéreo' (no caso do transporte aéreo nacional) e quanto 'a ordenação do transporte internacional' os tratados internacionais." O Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, manifestou-se pelo não provimento do agravo, em parecer que traz como ementa (fl. 344/347):

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS: CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL. CONTRATO INTERNACIONAL DE TRANSPORTE AÉREO. CF, ART. 178. RESPONSABILIDADE TARIFADA. APLICABILIDADE. 1. No caso específico de contrato de transporte internacional aéreo prevalece a Convenção de Varsóvia em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 178 da Carta Política, devendo a responsabilidade por dano material no transporte internacional de carga ser a tarifada e não a integral.

2. Parecer pelo provimento do agravo e, desde logo, pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário." O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 214.349, 2O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 214.349, 2a T., Rel. Ellen Gracie, DJ 31.03.06, assim ementado: "PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

1. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99).

2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido." Assim, dou provimento ao agravo e converto-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3º e 4º, do CPC) para dar-lhe provimento (art. 557, §1º-A, do CPC). Publique-se.

Brasília, 25 de outubro de 2006. Ministro GILMAR MENDES Relator 1

Legislação

LEG-FED CF ANO-1988
S E L E Ç ÃO D E J U RI S P R U DÊ NC I A B R AS I L E I R A – D I P R P ÁG I N A 2
ART-00005 PAR-00002
ART-00102 INC-00003 LET-A
ART-00178
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00544 PAR-00003 PAR-00004
ART-00557 PAR-0001A
****** CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Observação
Legislação feita por:(HHA).
fim do documento

1D - RE 543943 STF

RE 543943 / PR - PARANÁ
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 11/04/2008
Publicação
DJe-075 DIVULG 25/04/2008 PUBLIC 28/04/2008

Partes

RECTE.(S): MUNICÍPIO DE DR ULYSSES
ADV.(A/S): ARNALDO DAVID BARACAT E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S): CONSÓRCIO ICA/CPC/ETESCO
ADV.(A/S): ABEL SIMÃO AMARO E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): MARCELO REINECKEN DE ARAÚJO

Despacho

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 284/293), pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, está assim ementado (fls. 263):

“REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - ABSTENÇÃO DE ATO PARA COBRANÇA DO ISS - GASODUTO BRASIL-BOLÍVIA - ISENÇÃO TRIBUTÁRIA EM FACE DA REALIZAÇÃO DO ACORDO INTERNACIONAL RATIFICADO PELO CONGRESSO NACIONAL (DEC. N.º 2142/97 E DEC. LEI N.º 128/96) - NORMA TRIBUTÁRIA INTERNA - COMPETÊNCIA DOS ENTES POLÍTICOS EM EDITAR LEIS ESPECÍFICAS DE ISENÇÃO, ENQUANTO VIGORAR O ACORDO - ART. 98 CTN -
DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Os tratados e as convenções internacionais ratificados pelo Congresso Nacional passam a ser também normas de direito interno e podem revogar ou modificar a legislação tributária interna. 2. 'Não há discricionariedade do poder público municipal em conceder ou não a isenção nos moldes preconizados no acordo tributário
internacional firmado entre o governo federal e o governo da Bolívia, pelo que se impõe em reconhecer como nulo o lançamento efetuado em contrariedade ao definido no Decreto nº 2142/97, a rigor do artigo 98 do Código Tributário Nacional'.” A parte recorrente sustenta que o acórdão ora impugnado teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.
Entendo não assistir razão à parte ora recorrente, pois não vislumbro qualquer eiva de inconstitucionalidade na outorga de isenção de tributo municipal (ISS, no caso) prevista no Acordo para Isenção de Impostos Relativos à Implementação do Projeto
do Gasoduto Brasil-Bolívia. Com efeito, tenho para mim que o preceito normativo inscrito no art. 151, III, da vigente Constituição há de ser interpretado na perspectiva do modelo institucional que caracteriza o Estado Federal brasileiro. Todos sabemos que a Constituição da República proclama, na complexa estrutura política que dá configuração ao modelo federal de
Estado, a coexistência de comunidades jurídicas responsáveis pela pluralização de ordens normativas próprias que se distribuem segundo critérios de discriminação material de competências fixadas pelo texto constitucional. O relacionamento normativo entre essas instâncias de poder - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios - encontra fundamento na Constituição da República, que representa, no contexto político-institucional do Estado brasileiro, a expressão formal do pacto federal, consoante ressaltam, em autorizado magistério, eminentes doutrinadores (PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/374, 1989, Saraiva; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 55/59, 5ª ed., 1989, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 1/216-221, 1988, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. I/131, item n. 38, 1989, Forense
Universitária). O estatuto constitucional, em que reside a matriz do pacto federal, estabelece, entre a União e as pessoas políticas locais, uma delicada relação de equilíbrio, consolidada num sistema de discriminação de competências estatais, de que resultam - considerada a complexidade estrutural do modelo federativo - ordens jurídicas parciais e coordenadas entre si,
subordinadas à comunidade total, que é o próprio Estado Federal (cf. HANS KELSEN, comentado por O. A. BANDEIRA DE MELLO, “Natureza Jurídica do Estado Federal”, “apud” GERALDO ATALIBA, “Estudos e Pareceres de Direito Tributário”, vol. 3/24-25, 1980, RT). Na realidade, há uma relação de coalescência, na Federação, entre uma ordem jurídica total (que emana
do próprio Estado Federal, enquanto comunidade jurídica total, e que se expressa, formalmente, nas leis nacionais) e uma pluralidade de ordens jurídicas parciais, que resultam da União Federal, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios.

Nesse contexto, as comunidades jurídicas parciais são responsáveis pela instauração de ordens normativas igualmente parciais, sendo algumas de natureza central, imputáveis, nessa hipótese, à União (enquanto pessoa política de caráter central e interno) e outras de natureza regional (Estados-membros/Distrito Federal) ou de caráter local (Municípios),
enquanto comunidades periféricas revestidas de autonomia institucional. Cabe advertir, portanto, que o Estado Federal brasileiro - expressão institucional da comunidade jurídica total, que detém “o monopólio da personalidade internacional” (PAULO BONAVIDES, “Ciência Política”, p. 197, item n. 3.1, 14ª ed., 2007, Malheiros) - não se confunde com a União, pessoa
jurídica de direito público interno, que se qualifica, nessa condição, como simples ordem ou comunidade meramente central, tal como assinala, em preciso magistério, o saudoso e eminente VICTOR NUNES LEAL (“Problemas de Direito Público”, p. 160/161, item n. 1, 1960, Forense):

“Com aquela corrente se harmoniza a concepção de KELSEN, segundo a qual, nas federações, existe uma ordem jurídica 'total', acima das ordens jurídicas central e estadual, as quais serão, em face da primeira, ordens jurídicas 'parciais'. 'As normas centrais - diz êle - formam uma ordem jurídica central, pela qual se acha constituída uma comunidade jurídica parcial, compreendendo todos os indivíduos que residem em todo o território do Estado Federal. Essa comunidade parcial, constituída pela ordem jurídica central, chama-se 'União'. Ela é parte do Estado Federal total, no sentido em que a ordem jurídica central é parte da ordem jurídica total do Estado Federal. As normas locais, válidas apenas para determinadas partes do território inteiro, formam ordens jurídicas locais, pelas quais se acham constituídas comunidades jurídicas parciais.

Cada comunidade jurídica parcial compreende os indivíduos que residem num dêsses territórios parciais. Essas comunidades jurídicas parciais são os 'Estados-membros'. Cada indivíduo pertence, assim, simultâneamente, a um Estado-membro e à União.

O Estado Federal, ou a comunidade jurídica total, consiste assim da União, que é uma comunidade jurídica central, como dos Estados-membros, que são várias comunidades jurídicas locais. A doutrina tradicional errôneamente identifica a União com o Estado Federal total. Cada uma das comunidades parciais, tanto a União como os Estados-membros, baseia-se na sua própria constituição - a constituição da União e a constituição do Estado-membro. Todavia, a constituição da União, chamada 'Constituição Federal', é, ao mesmo tempo, a constituição do Estado Federal total'.” (grifei) Estabelecidas tais premissas, tornase
possível constatar que a vedação constitucional em causa, fundada no art. 151, III, da Constituição, incide, unicamente, sobre a União Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público interno, responsável, nessa específica condição, pela instauração de uma ordem normativa autônoma meramente parcial, inconfundível com a posição institucional de soberania do Estado Federal brasileiro, que ostenta, este sim, a qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano de nossa organização política, a expressão mesma de uma comunidade jurídica global, investida do poder de gerar uma ordem
normativa de dimensão nacional e total, essencialmente diversa, em autoridade, eficácia e aplicabilidade, daquela que se consubstancia nas leis e atos de caráter simplesmente federal. Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, em matéria de ISS, pois a República
Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém - em face das unidades meramente federadas - o monopólio da soberania e da personalidade internacional. Na realidade, a cláusula de vedação inscrita no art. 151, III, da
Constituição é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. Por isso
mesmo, entendo que se revela possível, à República Federativa do Brasil, em sua qualidade de sujeito de direito internacional público, conceder isenção, em matéria de ISS, mediante tratado internacional, sem que, ao assim proceder, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da Constituição, pois tal regra constitucional destina-se, em sua eficácia, a vincular,
unicamente, a União, enquanto entidade estatal de direito público interno, rigorosamente parificada, nessa específica condição institucional, às demais comunidades jurídicas parciais, de dimensão meramente regional e local, como o são os Estadosmembros e os Municípios. Cabe referir, neste ponto, a valiosa lição expendida por JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (“Isenções em
Tratados Internacionais de Impostos dos Estados-membros e Municípios”, “in” “Direito Tributário - Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba”, vol. 1/166-178, 176-177, item n. 5, 1997, Malheiros), que assim se pronuncia a respeito do regime constitucional das isenções decorrentes de tratados internacionais: “5.1 A União é uma pessoa jurídica de direito público
interno. Por isso o exercício de sua competência, no direito interno, pode ser contrastado com o da competência estadual e municipal, dado que são ordens jurídicas parciais, como visto. Daí a proibição de instituir a União isenções de impostos estaduais e municipais. Não se deve confundir a República Federativa do Brasil com uma entidade que a integra - a União, que
não é sujeito de direito internacional. Muito menos os Estados-membros e Municípios. Nenhum desses é em si mesmo dotado de personalidade internacional. 5.2 Constitui, porém, equívoco elementar transportar os critérios constitucionais de repartição das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam paradigma diverso de análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais, a CF dá à União competência para vincular o Estado brasileiro em nome dela e também dos Estados-membros e Municípios. A procedência dessa ponderação é corroborada pelo art. 5º, § 2º, da CF, in fine, ao referir expressamente os 'tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil (sic: não a União Federal) é parte'. São, pois, áreas diversas e autônomas de vinculação jurídica.

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(...) Que um agente ou órgão da União, o Presidente da República ou Ministro de Estado, subscreva um tratado não significa que os Estados e Municípios estejam pré-excluídos dos vínculos decorrentes da sua celebração. Precisamente o contrário é o que ocorre na hipótese, como a CF, art. 5º, § 2º, in fine, deixa claro. Insiste-se: é a República Federativa do Brasil (CF, arts. 1º e 18) que celebra o tratado e é por ele vinculada, e, portanto, também os Estados-membros e Municípios, e não apenas a União. A esse ato interestatal, o Presidente da República comparece, não como Chefe do Governo Federal, mas como Chefe de Estado.” (grifei) Essa mesma orientação é perfilhada por SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (“Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 550/551, item n. 11.11, 6ª ed., 2001, Forense), cujo magistério - lúcido e irrepreensível - reconhece a possibilidade constitucional de tratado internacional, celebrado pela República Federativa do Brasil, obrigar Estados-membros e Municípios, notadamente em matéria tributária: “A proibição de isenção heterônoma na ordem interna não deve ser utilizada como argumento para impedir que a República Federativa do Brasil disponha sobre o regime tributário de bens e serviços tributados pelo ICMS e ISS em encerros de tratado internacional. De tudo quanto vimos, sobraram as seguintes conclusões: A) a Constituição reconhece o tratado como fonte de direitos; B) o tratado, assinado pelo Presidente ou Ministro plenipotenciário e autorizado pelo Congresso, empenha a vontade de todos os brasileiros, independentemente do estado em que residam; C) o CTN assegura a prevalência do tratado sobre as legislações da União, dos Estados e Municípios; D) a proibição de isenção heterônoma é restrição à competência tributária exonerativa da União como ordem jurídica parcial, e não como pessoa jurídica de Direito Público externo. Procurou-se evitar a hipertrofia da União, e não a representação da Nação na ordem internacional; E) o interesse nacional sobreleva os interesses estaduais e municipais e orienta a exegese dos tratados; F) a competência da União para celebrar tratados em nome e no interesse da República Federativa do Brasil não fere a teoria do federalismo (se é que existe, ante as diversidades históricas das federações), nem arranha o federalismo arrumado na Constituição do Brasil de 1988; G) o federalismo brasileiro é concentracionário, depositando na União a condução dos princípios políticos de coordenação com os demais países.

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O federalismo brasileiro é tal que centraliza na União a condução das políticas mais importantes, mormente no plano externo. Quem tem os fins deve ter os meios. Na âmbito da Organização Internacional do Comércio ou do Mercosul, a previsão, em tratado multilateral, de isenção de produto ou serviço, vale juridicamente. Caso contrário, seria a inabilitação da União para as políticas de harmonização tributária, justamente ele que detém a representaçãoda República Federativa do Brasil, embora sejam o ICMS e o ISS impostos de competência estadual e municipal.” (grifei) Daí o inteiro acerto da tese daqueles que sustentam, com apoio em autorizado magistério doutrinário, que a Constituição da República não impede que o Estado Federal brasileiro (expressão da comunidade jurídica total) conceda, em sede convencional, mediante tratado internacional, isenção em tema de impostos sujeitos à competência dos Estados-membros e/ou dos Municípios, pois, consoante já se decidiu na ADI 1.600/DF, no voto então proferido pelo eminente Ministro NELSON JOBIM, “O âmbito de aplicação do art. 151, da CF, em todos os seus incisos, é o das relações das entidades federadas, entre si. Não tem por objeto a União Federal quando esta se apresenta como a República Federativa do Brasil, na ordem externa” (grifei). O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora impugnado ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência.

Sendo assim, e considerando as razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento. Publique-se. Brasília, 11 de abril de 2008. Ministro CELSO DE MELLO Relator

Legislação

LEG-FED CF ANO-1988
ART-00001 ART-00005 PAR-00002 ART-00018
ART-00151 INC-00003
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005172 ANO-1966
ART-00098
CTN-1966 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
LEG-FED DEC-002142 ANO-1997
DECRETO
LEG-FED DLG-000128 ANO-1996
DECRETO LEGISLATIVO
Observação
Legislação feita por:(LSC).
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