terça-feira, 9 de setembro de 2008

1A - CR 8279

CARTA ROGATÓRIA 8279

T r a n s c r i ç õ e s
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares
Carta Rogatória nº 8.279-República Argentina
Ministro Celso de Mello (Presidente):
MERCOSUL. Protocolo de Medidas Cautelares (Ouro Preto/MG). Ato de direito internacional público.

Convenção ainda não incorporada ao direito interno brasileiro. Procedimento constitucional de incorporação dos atos internacionais que ainda não se concluiu. O Protocolo de Medidas Cautelares adotado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em dezembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais em torno da questão da executoriedade das convenções ou tratados internacionais no âmbito do direito interno brasileiro. Precedentes: RTJ 58/70, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO - ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

Trata-se de carta rogatória expedida pela Justiça da República da Argentina com a finalidade de
viabilizar a efetivação, em território brasileiro, de atos de caráter executório (fls. 6).

A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pela concessão do exequatur, fundamentou-se na existência do Protocolo de Medidas Cautelares celebrado, no âmbito do MERCOSUL, pelos Governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Em seu parecer, o Ministério Público Federal enfatizou que “O objeto da carta encontra respaldo no Protocolo de Medidas Cautelares firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que prevê a possibilidade de cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação à pessoas, bens e obrigações de dar, e fazer e não fazer, desde que atendidos os requisitos do art. 21 da mesma Convenção, o que ocorre no presente caso” (fls. 52/53).

Não obstante as valiosas ponderações expendidas pela Procuradoria-Geral da República, entendo incabível a concessão de exequatur na espécie destes autos, eis que as diligências rogadas pela Justiça argentina revestem-se de nítido caráter executório.
Essa particular característica da medida judicial ora solicitada na presente carta rogatória basta, por si só, para inviabilizar a pretendida concessão de exequatur, no que concerne à efetivação dos atos de índole executória.

É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em tema de cartas rogatórias passivas, tem, invariavelmente, repelido a possibilidade jurídica de concessão do exequatur para efeito de realização, em território brasileiro, de diligências de natureza executória:
“Sempre se entendeu que as cartas rogatórias executórias são insuscetíveis de cumprimento
no Brasil. É preciso notar, porém, que o caráter executório de uma rogatória se há de aferir, não pela natureza da demanda que lhe dá origem, mas pela finalidade que a anima, traduzida na realização, no Brasil, de atos de constrição judicial inerentes à execução forçada.” (RTJ 72/659-667, 664, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO - trecho do voto do Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE - grifei)

“(...) constitui princípio fundamental do direito brasileiro sobre rogatórias o de que nestas não se
pode pleitear medida executória de sentença estrangeira que não haja sido homologada pela Justiça do Brasil.”(RTJ 93/517, 519, Rel. Min. ANTONIO NEDER - grifei)

“A Carta Rogatória é a solicitação de autoridade judiciária estrangeira para autoridade judiciária
brasileira, ou vice-versa, tendo por objeto a realização de um ato processual relativo a um pleito. A carta pode ter por escopo a citação, intimação, notificação, inquirição, exames, etc...Na tradição do direito brasileiro, inspirada no princípio da cooperação judiciária internacional, sempre se acolheu a Carta Rogatória com a finalidade de citação ou inquirição. Isto já vem do Aviso nº 1, de 1º de outubro de 1847, contanto que fosse desprovida de caráter executivo (...)

...............................................................................

(...) Ora, a jurisprudência desta Corte é pacífica em conceder exequatur à Carta Rogatória de
intimação, porque ela não requer a prática de qualquer ato de execução.”
(RTJ 103/536, 541, Rel. p/ o acórdão Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

Essa orientação jurisprudencial - reiterada em outros julgamentos do Supremo Tribunal Federal (CR 5.715 - CR 6.958) - encontra apoio em autorizado magistério doutrinário, que, na análise do tema, e na perspectiva do sistema jurídico brasileiro, adverte que as cartas rogatórias passivas não podem revestirse de eficácia executória (HERMES MARCELO HUCK, “Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria”, p. 35/39, item n. 6, 1994, Saraiva; WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, “Tratado de Direito Internacional Privado”, vol. II/408-409, 2ª ed., 1977, RT; AMILCAR DE CASTRO, “Direito Internacional Privado”, p. 585-586, item n. 334, 4ª ed., 1987, Forense; AGUSTINHO FERNANDES DIAS DA SILVA, “Direito Processual Internacional”, p. 170, item n. 179, 1971, Rio de Janeiro; HAROLDO VALLADÃO, “Direito Internacional Privado”, vol. III/176, 1978, Freitas Bastos; OSCAR TENÓRIO, “Direito Internacional Privado”, vol II/370, item n. 1.216, 11ª ed., 1976, Freitas Bastos; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 304, item n. 6, 1994, Saraiva, v.g.).

Vê-se, portanto, que constitui característica fundamental do sistema normativo brasileiro a préexclusão de qualquer atividade de índole executória em tema de cartas rogatórias passivas (vale dizer, aquelas expedidas por Tribunais estrangeiros e dirigidas ao Supremo Tribunal Federal), pois, em tal hipótese, impor-se-á a necessária e prévia homologação da respectiva decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento específico a ser instaurado, no âmbito desta Corte, nos termos do CPC (arts. 483 e 484) e do RISTF (arts. 215 a 224).

Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a
prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação), consoante expressamente autorizado pelo magistério jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 52/299 - RTJ 87/402 - RTJ 95/38 - RTJ 95/518 - RTJ 98/47 - RTJ 103/536 - RTJ 110/55).

Não constitui demasia enfatizar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no
sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas revestidas de caráter executório, ressalvadas, unicamente, aquelas expedidas com fundamento em atos ou convenções internacionais de cooperação interjurisdicional (CR 7.899, Rel. Min. CELSO DE MELLO - CR 7.618 (AgRg), Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - CR 7.914, Rel. Min CELSO DE MELLO - CR 8.168, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

No caso ora em análise, observo, como precedentemente já enfatizado, que as diligências
solicitadas pela Justiça rogante revestem-se de caráter executório. Sendo insuscetível de cumprimento, em nosso País, mediante simples procedimento rogatório, a diligência em questão, revela-se inviável, no caso, a concessão do pretendido exequatur.

Nem se alegue, para justificar a pretendida concessão de exequatur, que as diligências rogadas -
embora de caráter executório - encontrariam fundamento em convenção internacional consubstanciada no Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994. É que esse ato de direito internacional público, muito embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República.

Na realidade, o Protocolo de Medidas Cautelares (MERCOSUL) - que se qualifica como típica
Convenção Internacional - não se incorporou definitivamente à ordem jurídica doméstica do Estado brasileiro, eis que ainda não se concluiu o procedimento constitucional de sua recepção pelo sistema normativo brasileiro.

A questão da executoriedade dos tratados internacionais no âmbito do direito interno - analisado
esse tema na perspectiva do sistema constitucional brasileiro, tal como resultou debatido no julgamento da ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - supõe a prévia incorporação desses atos de direito internacional público ao plano da ordem normativa doméstica.

Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por CHARLES ROUSSEAU (“Droit International Public Approfondi”, p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público, como mera “discussion d’école”, torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República. Daí a precisa observação de JOÃO GRANDINO RODAS (“Tratados Internacionais”, p. 17, item n. 8, 1991, RT):

“É corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o
conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo, não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os
tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação.” (grifei)

Não obstante tais considerações, impende destacar que o tema concernente à definição do
momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo, pois cabe à Constituição da República - e a esta, somente - disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tratados internacionais.

Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada).

Uma coisa, porém, é absolutamente inquestionável sob o nosso modelo constitucional: a ratificação

- que se qualifica como típico ato de direito internacional público - não basta, por si só, para promover a automática incorporação do tratado ao sistema de direito positivo interno. É que, para esse específico efeito, impõe-se a coalescência das vontades autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujas deliberações individuais - embora necessárias - não se revelam suficientes para, isoladamente, gerarem a integração do texto convencional à ordem interna, tal como adverte JOSÉ FRANCISCO REZEK (“Direito Internacional Público”, p. 69, item n. 34, 5ª ed., 1995, Saraiva).

Desse modo, e para além da controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas, impõe-se reconhecer que, em nosso sistema normativo, é na Constituição da República que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasileiro. Para esse efeito, a Lei Fundamental da República qualifica-se como a sedes materiae que se mostra essencial à identificação do procedimento estatal concernente à definição do momento a partir do qual as normas constantes de tratados internacionais passam a vigorar, com força executória, no plano do sistema jurídico nacional.

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão pertinente à inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro, destacou - na perspectiva da disciplina constitucional que rege esse processo de recepção - que, “Aprovada essa Convenção pelo Congresso Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna” (RTJ 58/70, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO).

Esse entendimento jurisprudencial veio a ser confirmado e reiterado no julgamento da ADI nº 1.480- DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ocasião em que se enfatizou, uma vez mais, que o decreto presidencial, que sucede à aprovação congressual do ato internacional e à troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema jurídico doméstico - manifestação essencial e insuprimível, especialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Lapidar, sob essa perspectiva, a decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que, bem apreciando a questão da integração dos tratados internacionais ao nosso direito interno - e refletindo o próprio magistério da doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/21, 1992, Saraiva) -, acentuou:

"...No direito brasileiro, dá a Constituição Federal competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional (...). Por outro lado, tem o Congresso Nacional competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados e convenções celebrados com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República (...). Assim, celebrado o tratado ou convenção por representante do Poder Executivo, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, com a publicação do texto em português no órgão de imprensa oficial, tem-se como integrada a norma da convenção internacional no direito interno." (grifei) (Revista de Jurisprudência do TJRS, vol. 4/193, Rel. Des. PAULO BOECKEL VELLOSO)

O eminente Ministro FRANCISCO REZEK, hoje Juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia, ao discorrer sobre esse tema em valiosíssima obra monográfica ("Direito dos Tratados", p. 384/386, itens ns. 321 e 322, 1984, Forense), ressalta a imprescindibilidade da promulgação e da publicação, por ordem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil (desde que já definitivamente aprovados pelo Congresso Nacional), sob pena de absoluta ineficácia jurídica desses atos internacionais no plano doméstico:

"O ordenamento jurídico, nesta república, é integralmente ostensivo. Tudo quanto o compõe - resulte de produção legislativa internacional ou doméstica - presume publicidade oficial e vestibular. Um tratado regularmente concluído depende dessa publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário.
...............................................................................

No Brasil se promulgam, por decreto do Presidente da República, todos os tratados que tenham feito objeto de aprovação congressional.

..............................................................................

Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do Chefe de Estado costumam ter esse nome.(...). Vale aquele como ato de publicidade da existência do tratado, norma jurídica de vigência atual ou iminente. Publica-os, pois, o órgão oficial, para que o tratado - cujo texto completo vai em anexo - se introduza na ordem legal, e opere desde o momento próprio." (grifei).

Vê-se, portanto, que a aprovação congressual e a promulgação executiva atuam, nessa condição,
como pressupostos indispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo interno, da convenção internacional celebrada pelo Brasil (CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, "Curso de Direito Internacional Público", vol. 1/125, itens 89 e 90, 4ª ed., 1974, Freitas Bastos; HILBEBRANDO ACCIOLY, "Tratado de Direito Internacional Público", vol. I/577 e 601-603, itens 904 e 933-935, 2ª ed., 1956, RJ).

Torna-se irrecusável admitir, portanto, que o Protocolo de Medidas Cautelares celebrado no âmbito do MERCOSUL ainda não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno do Brasil, razão pela qual não pode ele ser invocado, no plano doméstico, como fundamento de concessão do exequatur, em tema de cartas rogatórias com efeito executório.

Cumpre assinalar, finalmente, que os atos internacionais, uma vez regularmente incorporados ao
direito interno, situam-se no mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconstitucionais.

Essa visão do tema foi prestigiada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 80.004-SE (RTJ 83/809, Rel. p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO), quando se consagrou, entre nós, a tese - até hoje prevalecente na jurisprudência da Corte (e recentemente reiterada no julgamento da ADI nº 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - de que existe, entre tratados internacionais e leis internas brasileiras, de caráter ordinário, mera relação de paridade normativa.

A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, por isso mesmo, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas (JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DORIA, "Da Lei Tributária no Tempo", p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA, "Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário", p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, "Curso de Direito Internacional Privado", p. 108/112, 1978, Forense; JOSÉ FRANCISCO REZEK, "Direito dos Tratados", p. 470/475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.).

A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito
interno somente ocorrerá - presente o contexto de eventual situação de antinomia com o
ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade (RTJ 70/333 - RTJ 100/1030 - RT 554/434).

De qualquer maneira, impõe-se aguardar, no caso ora em análise, a definitiva incorporação, ao
sistema de direito positivo interno brasileiro, do Protocolo de Medidas Cautelares aprovado no âmbito do MERCOSUL, sem o que esse ato de direito internacional público não poderá ser aplicado, no âmbito doméstico, pelas autoridades nacionais.

Assim sendo, e tendo em consideração as razões expostas, nego exequatur à presente carta
rogatória. Devolva-se, por via diplomática, a presente comissão rogatória, à Justiça rogante.
Publique-se.

Brasília, 04 de maio de 1998

1B - CR 8279 Agravo Regimental

CR 8279 – Agravo Regimental

Supremo Tribunal Federal - Informativo 196

Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares (Transcrições)
Mercosul: Protocolo de Medidas Cautelares (Transcrições)
CR (AgRg) N. 8.279-ARGENTINA* (v. Informativo 115)

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

E M E N T A:
MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA - DENEGAÇÃO DE
EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES (OURO PRET0/MG) -
INAPLICABILIDADE, POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO
INTERNACIONAL CUJO CICLO DE INCORPORAÇÃO, AO DIREITO IN TERNO DO
BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA
DO EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O
DIREITO NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E DA
APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA PREVISÃO NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE
RECEPÇÃO PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS, MESMO DAQUELES
FUNDADOS EM TRATADOS DE INTEGRAÇÃO - REC URSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS
ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA
FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

- A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma
disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira,
dos tratados ou convenções internacionais em gera l. É, pois, na Constituição da República, e não
em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

- Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição
privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil
no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica a dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL).

- A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito
do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão
causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação,
pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses
atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c)
promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade d o ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Precedentes.

O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO
DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.

- A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata.
Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o
direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser
invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

- O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasi l. Magistério da doutrina.

- Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração,
ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL.

* acórdão pendente de publicação

1C - AI 593779 STF

AI 593779 / DF - DISTRITO FEDERAL
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 25/10/2006
Publicação
DJ 29/11/2006 PP-00064

Partes

AGTE.(S): VARIG S/A - VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE
ADV.(A/S): VICTOR RUSSOMANO JÚNIOR E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): ITAÚ SEGUROS S/A
ADV.(A/S): RENATO DELEUSE VENNA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): MICHELLE LOPES RODRIGUES E OUTRO(A/S)

Despacho

DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, interposto em face de acórdão assim ementado (fl. 244):

"AÇÃO DE RESSARCIMENTO - TRANSPORTE
AÉREO - CARGA DANIFICADA - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - RESPONSABILIDADE TARIFADA - INAPLICABILIDADE.

1. Embora tenham sido introduzidos novos Protocolos à Convenção de Varsóvia após o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo o valor da indenização por dano durante o transporte de carga é integral, não subsistindo a responsabilidade tarifada. Precedentes do STJ.

2. A Seguradora sub-roga-se em todos os privilégios e ações conferidas ao Consumidor.

3. Apelo improvido.

" No voto condutor do acórdão restou consignado (fl. 249): "Quando se tratar de transporte aéreo internacional, prevalece o entendimento jurisprudencial pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor em detrimento de qualquer outra legislação especial, inclusive da Convenção de Varsóvia. Sendo assim, a responsabilidade do transportador aéreo, pelo extravio de bagagem ou mercadoria, consiste em indenizar o consumidor pelo valor da mercadoria,ficando afastada a indenização tarifada que corresponderia apenas ao quantum indenizatório, a ser obtido pelo peso da mercadoria transportada." Alega-se violação ao artigo 178, da Carta Magna. Nas razões de recurso extraordinário sustenta que:

"Tal questão é de natureza eminentemente constitucional, tendo em vista que a tese defendida pela Recorrente é que, em se tratando de ação de indenização em decorrência de contrato de transporte, não se aplicam as regras gerais, de natureza infraconstitucional, sobre o direito intertemporal, mas sim aquelas previstas no artigo 178 da Constituição Federal. Na hipótese do transporte aéreo nacional e internacional, o conflito de leis foi disciplinado pela própria Constituição Federal, que deixou claro que deverá prevalecer sempre a lei que 'disporá sobre a ordenação do transporte aéreo' (no caso do transporte aéreo nacional) e quanto 'a ordenação do transporte internacional' os tratados internacionais." O Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, manifestou-se pelo não provimento do agravo, em parecer que traz como ementa (fl. 344/347):

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS: CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL. CONTRATO INTERNACIONAL DE TRANSPORTE AÉREO. CF, ART. 178. RESPONSABILIDADE TARIFADA. APLICABILIDADE. 1. No caso específico de contrato de transporte internacional aéreo prevalece a Convenção de Varsóvia em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 178 da Carta Política, devendo a responsabilidade por dano material no transporte internacional de carga ser a tarifada e não a integral.

2. Parecer pelo provimento do agravo e, desde logo, pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário." O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 214.349, 2O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 214.349, 2a T., Rel. Ellen Gracie, DJ 31.03.06, assim ementado: "PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

1. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99).

2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido." Assim, dou provimento ao agravo e converto-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3º e 4º, do CPC) para dar-lhe provimento (art. 557, §1º-A, do CPC). Publique-se.

Brasília, 25 de outubro de 2006. Ministro GILMAR MENDES Relator 1

Legislação

LEG-FED CF ANO-1988
S E L E Ç ÃO D E J U RI S P R U DÊ NC I A B R AS I L E I R A – D I P R P ÁG I N A 2
ART-00005 PAR-00002
ART-00102 INC-00003 LET-A
ART-00178
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00544 PAR-00003 PAR-00004
ART-00557 PAR-0001A
****** CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Observação
Legislação feita por:(HHA).
fim do documento

1D - RE 543943 STF

RE 543943 / PR - PARANÁ
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 11/04/2008
Publicação
DJe-075 DIVULG 25/04/2008 PUBLIC 28/04/2008

Partes

RECTE.(S): MUNICÍPIO DE DR ULYSSES
ADV.(A/S): ARNALDO DAVID BARACAT E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S): CONSÓRCIO ICA/CPC/ETESCO
ADV.(A/S): ABEL SIMÃO AMARO E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): MARCELO REINECKEN DE ARAÚJO

Despacho

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 284/293), pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, está assim ementado (fls. 263):

“REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - ABSTENÇÃO DE ATO PARA COBRANÇA DO ISS - GASODUTO BRASIL-BOLÍVIA - ISENÇÃO TRIBUTÁRIA EM FACE DA REALIZAÇÃO DO ACORDO INTERNACIONAL RATIFICADO PELO CONGRESSO NACIONAL (DEC. N.º 2142/97 E DEC. LEI N.º 128/96) - NORMA TRIBUTÁRIA INTERNA - COMPETÊNCIA DOS ENTES POLÍTICOS EM EDITAR LEIS ESPECÍFICAS DE ISENÇÃO, ENQUANTO VIGORAR O ACORDO - ART. 98 CTN -
DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Os tratados e as convenções internacionais ratificados pelo Congresso Nacional passam a ser também normas de direito interno e podem revogar ou modificar a legislação tributária interna. 2. 'Não há discricionariedade do poder público municipal em conceder ou não a isenção nos moldes preconizados no acordo tributário
internacional firmado entre o governo federal e o governo da Bolívia, pelo que se impõe em reconhecer como nulo o lançamento efetuado em contrariedade ao definido no Decreto nº 2142/97, a rigor do artigo 98 do Código Tributário Nacional'.” A parte recorrente sustenta que o acórdão ora impugnado teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.
Entendo não assistir razão à parte ora recorrente, pois não vislumbro qualquer eiva de inconstitucionalidade na outorga de isenção de tributo municipal (ISS, no caso) prevista no Acordo para Isenção de Impostos Relativos à Implementação do Projeto
do Gasoduto Brasil-Bolívia. Com efeito, tenho para mim que o preceito normativo inscrito no art. 151, III, da vigente Constituição há de ser interpretado na perspectiva do modelo institucional que caracteriza o Estado Federal brasileiro. Todos sabemos que a Constituição da República proclama, na complexa estrutura política que dá configuração ao modelo federal de
Estado, a coexistência de comunidades jurídicas responsáveis pela pluralização de ordens normativas próprias que se distribuem segundo critérios de discriminação material de competências fixadas pelo texto constitucional. O relacionamento normativo entre essas instâncias de poder - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios - encontra fundamento na Constituição da República, que representa, no contexto político-institucional do Estado brasileiro, a expressão formal do pacto federal, consoante ressaltam, em autorizado magistério, eminentes doutrinadores (PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/374, 1989, Saraiva; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 55/59, 5ª ed., 1989, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 1/216-221, 1988, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. I/131, item n. 38, 1989, Forense
Universitária). O estatuto constitucional, em que reside a matriz do pacto federal, estabelece, entre a União e as pessoas políticas locais, uma delicada relação de equilíbrio, consolidada num sistema de discriminação de competências estatais, de que resultam - considerada a complexidade estrutural do modelo federativo - ordens jurídicas parciais e coordenadas entre si,
subordinadas à comunidade total, que é o próprio Estado Federal (cf. HANS KELSEN, comentado por O. A. BANDEIRA DE MELLO, “Natureza Jurídica do Estado Federal”, “apud” GERALDO ATALIBA, “Estudos e Pareceres de Direito Tributário”, vol. 3/24-25, 1980, RT). Na realidade, há uma relação de coalescência, na Federação, entre uma ordem jurídica total (que emana
do próprio Estado Federal, enquanto comunidade jurídica total, e que se expressa, formalmente, nas leis nacionais) e uma pluralidade de ordens jurídicas parciais, que resultam da União Federal, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios.

Nesse contexto, as comunidades jurídicas parciais são responsáveis pela instauração de ordens normativas igualmente parciais, sendo algumas de natureza central, imputáveis, nessa hipótese, à União (enquanto pessoa política de caráter central e interno) e outras de natureza regional (Estados-membros/Distrito Federal) ou de caráter local (Municípios),
enquanto comunidades periféricas revestidas de autonomia institucional. Cabe advertir, portanto, que o Estado Federal brasileiro - expressão institucional da comunidade jurídica total, que detém “o monopólio da personalidade internacional” (PAULO BONAVIDES, “Ciência Política”, p. 197, item n. 3.1, 14ª ed., 2007, Malheiros) - não se confunde com a União, pessoa
jurídica de direito público interno, que se qualifica, nessa condição, como simples ordem ou comunidade meramente central, tal como assinala, em preciso magistério, o saudoso e eminente VICTOR NUNES LEAL (“Problemas de Direito Público”, p. 160/161, item n. 1, 1960, Forense):

“Com aquela corrente se harmoniza a concepção de KELSEN, segundo a qual, nas federações, existe uma ordem jurídica 'total', acima das ordens jurídicas central e estadual, as quais serão, em face da primeira, ordens jurídicas 'parciais'. 'As normas centrais - diz êle - formam uma ordem jurídica central, pela qual se acha constituída uma comunidade jurídica parcial, compreendendo todos os indivíduos que residem em todo o território do Estado Federal. Essa comunidade parcial, constituída pela ordem jurídica central, chama-se 'União'. Ela é parte do Estado Federal total, no sentido em que a ordem jurídica central é parte da ordem jurídica total do Estado Federal. As normas locais, válidas apenas para determinadas partes do território inteiro, formam ordens jurídicas locais, pelas quais se acham constituídas comunidades jurídicas parciais.

Cada comunidade jurídica parcial compreende os indivíduos que residem num dêsses territórios parciais. Essas comunidades jurídicas parciais são os 'Estados-membros'. Cada indivíduo pertence, assim, simultâneamente, a um Estado-membro e à União.

O Estado Federal, ou a comunidade jurídica total, consiste assim da União, que é uma comunidade jurídica central, como dos Estados-membros, que são várias comunidades jurídicas locais. A doutrina tradicional errôneamente identifica a União com o Estado Federal total. Cada uma das comunidades parciais, tanto a União como os Estados-membros, baseia-se na sua própria constituição - a constituição da União e a constituição do Estado-membro. Todavia, a constituição da União, chamada 'Constituição Federal', é, ao mesmo tempo, a constituição do Estado Federal total'.” (grifei) Estabelecidas tais premissas, tornase
possível constatar que a vedação constitucional em causa, fundada no art. 151, III, da Constituição, incide, unicamente, sobre a União Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público interno, responsável, nessa específica condição, pela instauração de uma ordem normativa autônoma meramente parcial, inconfundível com a posição institucional de soberania do Estado Federal brasileiro, que ostenta, este sim, a qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano de nossa organização política, a expressão mesma de uma comunidade jurídica global, investida do poder de gerar uma ordem
normativa de dimensão nacional e total, essencialmente diversa, em autoridade, eficácia e aplicabilidade, daquela que se consubstancia nas leis e atos de caráter simplesmente federal. Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, em matéria de ISS, pois a República
Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém - em face das unidades meramente federadas - o monopólio da soberania e da personalidade internacional. Na realidade, a cláusula de vedação inscrita no art. 151, III, da
Constituição é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. Por isso
mesmo, entendo que se revela possível, à República Federativa do Brasil, em sua qualidade de sujeito de direito internacional público, conceder isenção, em matéria de ISS, mediante tratado internacional, sem que, ao assim proceder, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da Constituição, pois tal regra constitucional destina-se, em sua eficácia, a vincular,
unicamente, a União, enquanto entidade estatal de direito público interno, rigorosamente parificada, nessa específica condição institucional, às demais comunidades jurídicas parciais, de dimensão meramente regional e local, como o são os Estadosmembros e os Municípios. Cabe referir, neste ponto, a valiosa lição expendida por JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (“Isenções em
Tratados Internacionais de Impostos dos Estados-membros e Municípios”, “in” “Direito Tributário - Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba”, vol. 1/166-178, 176-177, item n. 5, 1997, Malheiros), que assim se pronuncia a respeito do regime constitucional das isenções decorrentes de tratados internacionais: “5.1 A União é uma pessoa jurídica de direito público
interno. Por isso o exercício de sua competência, no direito interno, pode ser contrastado com o da competência estadual e municipal, dado que são ordens jurídicas parciais, como visto. Daí a proibição de instituir a União isenções de impostos estaduais e municipais. Não se deve confundir a República Federativa do Brasil com uma entidade que a integra - a União, que
não é sujeito de direito internacional. Muito menos os Estados-membros e Municípios. Nenhum desses é em si mesmo dotado de personalidade internacional. 5.2 Constitui, porém, equívoco elementar transportar os critérios constitucionais de repartição das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam paradigma diverso de análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais, a CF dá à União competência para vincular o Estado brasileiro em nome dela e também dos Estados-membros e Municípios. A procedência dessa ponderação é corroborada pelo art. 5º, § 2º, da CF, in fine, ao referir expressamente os 'tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil (sic: não a União Federal) é parte'. São, pois, áreas diversas e autônomas de vinculação jurídica.

.......................................................

(...) Que um agente ou órgão da União, o Presidente da República ou Ministro de Estado, subscreva um tratado não significa que os Estados e Municípios estejam pré-excluídos dos vínculos decorrentes da sua celebração. Precisamente o contrário é o que ocorre na hipótese, como a CF, art. 5º, § 2º, in fine, deixa claro. Insiste-se: é a República Federativa do Brasil (CF, arts. 1º e 18) que celebra o tratado e é por ele vinculada, e, portanto, também os Estados-membros e Municípios, e não apenas a União. A esse ato interestatal, o Presidente da República comparece, não como Chefe do Governo Federal, mas como Chefe de Estado.” (grifei) Essa mesma orientação é perfilhada por SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (“Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 550/551, item n. 11.11, 6ª ed., 2001, Forense), cujo magistério - lúcido e irrepreensível - reconhece a possibilidade constitucional de tratado internacional, celebrado pela República Federativa do Brasil, obrigar Estados-membros e Municípios, notadamente em matéria tributária: “A proibição de isenção heterônoma na ordem interna não deve ser utilizada como argumento para impedir que a República Federativa do Brasil disponha sobre o regime tributário de bens e serviços tributados pelo ICMS e ISS em encerros de tratado internacional. De tudo quanto vimos, sobraram as seguintes conclusões: A) a Constituição reconhece o tratado como fonte de direitos; B) o tratado, assinado pelo Presidente ou Ministro plenipotenciário e autorizado pelo Congresso, empenha a vontade de todos os brasileiros, independentemente do estado em que residam; C) o CTN assegura a prevalência do tratado sobre as legislações da União, dos Estados e Municípios; D) a proibição de isenção heterônoma é restrição à competência tributária exonerativa da União como ordem jurídica parcial, e não como pessoa jurídica de Direito Público externo. Procurou-se evitar a hipertrofia da União, e não a representação da Nação na ordem internacional; E) o interesse nacional sobreleva os interesses estaduais e municipais e orienta a exegese dos tratados; F) a competência da União para celebrar tratados em nome e no interesse da República Federativa do Brasil não fere a teoria do federalismo (se é que existe, ante as diversidades históricas das federações), nem arranha o federalismo arrumado na Constituição do Brasil de 1988; G) o federalismo brasileiro é concentracionário, depositando na União a condução dos princípios políticos de coordenação com os demais países.

...................................................

O federalismo brasileiro é tal que centraliza na União a condução das políticas mais importantes, mormente no plano externo. Quem tem os fins deve ter os meios. Na âmbito da Organização Internacional do Comércio ou do Mercosul, a previsão, em tratado multilateral, de isenção de produto ou serviço, vale juridicamente. Caso contrário, seria a inabilitação da União para as políticas de harmonização tributária, justamente ele que detém a representaçãoda República Federativa do Brasil, embora sejam o ICMS e o ISS impostos de competência estadual e municipal.” (grifei) Daí o inteiro acerto da tese daqueles que sustentam, com apoio em autorizado magistério doutrinário, que a Constituição da República não impede que o Estado Federal brasileiro (expressão da comunidade jurídica total) conceda, em sede convencional, mediante tratado internacional, isenção em tema de impostos sujeitos à competência dos Estados-membros e/ou dos Municípios, pois, consoante já se decidiu na ADI 1.600/DF, no voto então proferido pelo eminente Ministro NELSON JOBIM, “O âmbito de aplicação do art. 151, da CF, em todos os seus incisos, é o das relações das entidades federadas, entre si. Não tem por objeto a União Federal quando esta se apresenta como a República Federativa do Brasil, na ordem externa” (grifei). O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora impugnado ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência.

Sendo assim, e considerando as razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento. Publique-se. Brasília, 11 de abril de 2008. Ministro CELSO DE MELLO Relator

Legislação

LEG-FED CF ANO-1988
ART-00001 ART-00005 PAR-00002 ART-00018
ART-00151 INC-00003
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED LEI-005172 ANO-1966
ART-00098
CTN-1966 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
LEG-FED DEC-002142 ANO-1997
DECRETO
LEG-FED DLG-000128 ANO-1996
DECRETO LEGISLATIVO
Observação
Legislação feita por:(LSC).
fim do documento

1E - HC 90751 Gilmar Mendes

HC 90751 MC / SC - SANTA CATARINA
MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 08/03/2007
Publicação
DJ 26/03/2007 PP-00025
Partes
PACTE.(S): JOSÉ LAÉRCIO MADEIRA
IMPTE.(S): EVERALDO LUÍS RESTANHO
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HC Nº 77.137 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA

Despacho

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por EVERALDO LUÍS RESTANHO, em favor de JOSÉ LAÉRCIO MADEIRA, em face de decisão monocrática proferida pela Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a liminar pleiteada em favor do paciente no HC nº 77.137/SC, DJ de 1º.03.2007. Eis o teor da decisão ora impugnada (fls. 06-07): " (...) Inicialmente, importa declinar que a questão posta a desate não versa, diretamente,sobre possível prisão decorrente de contrato de alienação fiduciária, e sim, da nomeação do ora paciente como depositário judicial de bem, em execução de contrato bancário garantido por alienação fiduciária. Volvendo ao acórdão recorrido, é possível se observar que o TJSC pugna,expressamente, pelo fato de que o paciente assumiu o encargo de depositário judicial do bem em questão. Assim, conforme se depreende dos elementos existentes no processo, encontra-se o TJSC, na espécie, em harmonia com o entendimento firmado no STJ a respeito da possibilidade de decretação de prisão em decorrência de descumprimento de depósito judicial. Dentre vários outros precedentes a respeito do tema, registre-se o seguinte julgado com a ementa transcrita quanto ao ponto: "Instado a restituir os bens objeto de penhora pelos quais ficou o depositário judicial responsável, deve este fazê-lo prontamente, sob pena de ser considerado depositário infiel, sujeito à pena de prisão civil. Legalidade do decreto prisional." HC 26.964/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ: 07/06/2004.

Conclui-se, pois, em superficial análise, pela licitude do decreto de prisão exarado contra o paciente, eis que em consonância com a jurisprudência assente no STJ. Forte em tais razões,INDEFIRO o pedido de liminar.Forte em tais razões,INDEFIRO o pedido de liminar."

Em desfavor do paciente foi ajuizada ação de execução sob o no 007.01.000701-2, perante a 2a Vara da Comarca de Biaguaçu - SC. Refere-se o processo, promovido pelo Banco do Estado de Santa Catarina S/A - BESC, a 13 cartas de crédito e respectiva garantia (nota promissória e alienação fiduciária), no valor total de R$ 1.326.000,00 (um milhão e trezentos e vinte e seis mil reais). O Juiz de Direito da 2a Vara da Comarca de Biaguaçu, em 15 de agosto de 2006, determinou, nos autos do referido processo de execução , a apresentação de bem no prazo de três dias, sob pena de prisão por depositário infiel (Apenso 1, fl.31). A defesa requereu ao juízo da origem a suspensão da execução "em face da litigiosidade dos títulos que embasaram a execução, posto que os mesmos estão sub judice na ação ordinária revisional no 007.99.000099-7, atualmente em grau de Recurso de Apelação no 2002.008196-0, perante o egrégio Tribunal de Justiça." (fl.03). Referido pedido foi indeferido pela origem e, mantida a determinação de penhora, foi realizada, em 23 de junho de 2005, a hasta pública dos bens penhorados (fl.04). A defesa apresentou embargos à arrematação ao juízo de Direito da 2a Vara da Comarca de Biguaçu, que julgou extinto o processo sem análise de mérito, por ter entendido que a "procuração outorgada pelo Paciente aos seus Patronos constituídos não conferia capacidade postulatória para tanto." (fl.04) Após, a defesa interpôs recurso de apelação, ainda em fase de julgamento.(fl.03) Diante da iminência de ser expedido mandado de prisão contra o ora paciente, impetrou ordem de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com pedido de liminar, que denegou a ordem, em acórdão assim ementado (fl. 05-06):

" HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
- PENHORA EFETUADA - DEPÓSITO JUDICIAL - CABIMENTO DA PRISÃO CIVIL - ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA - LIMINAR
REVOGADA - DENEGAÇÃO DA ORDEM.

É inviável a cominação de prisão civil em demanda de busca e apreensão convertida em ação de depósito, eis que esta não encerra a mesma natureza do contrato típico de idêntico nome, em relação ao qual, em caso de descumprimento dos deveres legais impostos, existe a possibilidade de decretação da restrição de liberdade. Promovida a ação de execução de contrato com garantia de alienação fiduciária, todavia, e não a de busca e apreensão, e tendo o paciente, quando da lavratura do auto de penhora, firmado termo de compromisso, assumindo o encargo de depositário judicial, não se mostra ilegal a decretação da prisão civil na hipótese de descumprimento da ordem, proferida pelo Magistrado, para a entrega da coisa ou a consignação do equivalente em dinheiro. Há declaração de voto vencido." Sob o fundamento de Sob o fundamento de que os dispositivos relativos à prisão civil, insertos no Código Civil, ante a ratificação, pelo Brasil, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, não podem ser aplicados, a defesa impetrou habeas Corpus junto ao STJ, cuja decisão indeferitória da medida liminar pleiteada é objeto deste writ. No presente habeas corpus o impetrante alega constrangimento ilegal, que "está atrelado à questão dos direitos humanos, que além de universais são indivisíveis, agasalhado em nosso sistema constitucional (...)" (fl.07)

Com relação à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), o impetrante sustenta, verbis: " Existe, pois, vedação expressa no Pacto de San Jose de interpretação limitativa de direitos e liberdades por ela reconhecidos em maior medida do que sua própria previsão, o que deve ser honrado pelos Estados parte, em homenagem ao art. 26 e 27 da Convenção de Viena e 7 do Pacto de San Jose. Não bastasse a ratificação da supramencionada convenção (...) somos signatários também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. (...) Portanto, é lícito concluirmos que o artigo 904 do Código de Processo Civil, assim como os artigos 652 do Código Civil e 4o, do Decreto-Lei no 911, de 1o de outubro de 1969, teve sua eficácia paralisada desde a ratificação pelo Brasil, no ano de 1992, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7o, 7), posto que não há base legal para aplicação da parte final do art. 5o, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel, conforme as palavras do Min. GILMAR MENDES em voto proferido no Recurso Extraordinário no 466.343." (fl.15-23).

Quanto à urgência da pretensão cautelar (Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa aduz "a ameaça de prisão, de até 1 (um) ano, diante da caracterização do depósito infiel (art. 904, do CPC)." (fl. 08). Por fim, o impetrante requer: " (...)que defira liminarmente o presente habeas corpus, uma vez que encontram-se presentes os pressupostos de sua concessão - fumus boni iuris (...) e periculum in mora (...) [e] requer a final e definitiva concessão da ordem para suspender a prisão civil decretada pelo Juízo de Direito da 2a Vara da Comarca de Biguaçu nos autos do processo no 007.001.000701-2 (...)." - (fl. 25-26). Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar. Preliminarmente, a jurisprudência desta Corte é no sentido da inadmissibilidade da impetração de habeas corpus, nas causas de sua competência originária, contra decisão denegatória de liminar em ação de mesma natureza articulada perante tribunal superior, antes do julgamento definitivo do writ. Nesse particular, cito os seguintes julgados: HC(QO) nº 76.347/MS, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ de 08.05.1998;

HC nº 79.238/RS, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ de 06.08.1999; HC nº 79.776/RS, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ de 03.03.2000; HC nº 79.775/AP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, maioria, DJ de 17.03.2000; e HC nº 79.748/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, maioria, DJ de 23.06.2000. Esse entendimento está representado na Súmula nº 691/STF, Esse entendimento está representado na Súmula nº 691/STF, verbis: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar". É bem verdade que o rigor na aplicação da Súmula nº 691/STF tem sido abrandado por julgados desta Corte em hipóteses excepcionais em que: a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ou b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior apontado como coator importe a caracterização ou a manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF.

Para maiores detalhes, enumero as decisões colegiadas: HC nº 84.014/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25.06.2004; HC nº 85.185/SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 1º.09.2006; e HC nº 88.229/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 10.10.2006; e as seguintes decisões monocráticas: HC no 85.826/SP (MC), de minha relatoria, DJ de 03.05.2005; e HC no 86.213/ES (MC), Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º.08.2005. Para fins de apreciação do pedido de medida liminar, porém, é necessário, no caso em exame, avaliar se há ou não patente constrangimento ilegal apto a superar a aplicação da Súmula no 691/STF e a ensejar o cabimento deste habeas corpus.

Inicialmente, transcrevo a decisão do Juízo de Direito da 2a. Vara de Biguaçu, que, conforme a impetração, caracterizaria a urgência da pretensão cautelar, por ter sido o paciente ameaçado de prisão, de até um ano, tendo em vista ter sido caracterizado o depósito infiel: "Defiro o requerimento dos itens 04 e 05 de fls. 579. Quanto ao item 06 de fls. 579, intime-se o depositário, na mesma carta precatória, para apresentar o veículo a este juízo ou depositar o seu valor, indicado no item 13 de fls. 582, no prazo de três dias, sob pena de prisão por depositário infiel.Depois, expedida a carta precatória, intime-se o exeqüente para se manifestar sobre os requerimentos de fls. 494/497 e 535/538." (Apenso 1 fl. 31) A legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, está em discussão no Plenário deste Supremo Tribunal Federal, nos autos dos RE´s nº 466.343/SP e 349.703/SP. No julgamento do RE 466.343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, que se iniciou na sessão de 22.11.2006, esta Corte, por maioria que já conta com sete votos, acenou para a possibilidade do reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel.

Ojulgamento desse recurso foi suspenso em razão de pedido de vista formulado pelo eminente Ministro Celso de Mello.

Em votovista no RE no 349.703, da relatoria do Min. Carlos Britto, constatei a existência de eventual conflito entre o Tratado de São José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil, em 1992, e o nosso ordenamento constitucional. Com a ratificação pelo Brasil dessa convenção, assim como do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sem qualquer reserva, ambos no ano de 1992, iniciou-se neste Corte um amplo debate sobre a possibilidade de revogação, por tais diplomas internacionais, da parte final do inciso LXVII do art. 5o da Constituição brasileira de 1988, especificamente, da expressão "depositário infiel", e, por conseqüência, de toda a legislação infraconstitucional que nele possui fundamento direto ou indireto. O meu entendimento é o de que, desde a ratificação dos referidos tratados, inexiste uma base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especO meu entendimento é o de que, desde a ratificação dos referidos tratados, inexiste uma base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. É que o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). Considerando que as legislações mais avançadas em direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão civil, decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente, é forçoso ponderar se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, a tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais, há muito adotada por esta Corte, não haveria de ser revisitada. Preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n° 80.004/SE, da relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1o.6.1977; DJ 29.12.1977), referida tese encontra respaldo em um largo repertório de casos julgados após o advento da Constituição de 1988 1 . Acredito que a própria mudança constitucional, trazida pela EC nº 45/2004, acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais já ratificados pelo Brasil. Portanto, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional. Ademais, no que se refere à questão específica da prisão civil por dívida, parte da doutrina tem entendido que o depósito de que trata a norma do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, restringe-se à hipótese clássica ou tradicional na qual o devedor recebe a guarda de determinado bem, incumbindo-se da obrigação contratual ou legal de restituílo quando o credor o requeira. Assim sendo, no contrato de alienação fiduciária não haveria um depósito no sentido estrito ou constitucional do termo, mas apenas um "depósito por equiparação" ou "depósito atípico" que não legitimaria a incidência da norma constitucional que comina a prisão civil. Outro não foi o entendimento adotado pelos votos vencidos dos Ministros Marco Aurélio, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence no julgamento do HC n° 72.131/RJ, de 22.11.1995.

Ante o exposto, não há dúvida de que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o princípio da reserva legal proporcional, inconstitucionalidade que tem o condão de fulminar a norma em referência desde a sua concepção, sob a égide da Constituição de 1967/69. Acredito que a prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos. Desta forma, considerada a plausibilidade da tese do impetrante no caso concreto ora em apreço, creio ser o caso de deferir a medida liminar, reparadora do estado de constrangimento ilegal causado pelas decisões das instâncias inferiores, ainda que essas tenham sido proferidas monocraticamente (não conhecimento da causa ou indeferimento de liminar, casos em que se possibilita o afastamento da Súmula no 691 do STF). Segundo jurisprudência firmada por este Supremo Tribunal Federal, a concessão de medida cautelar em sede de habeas corpus somente é possível em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente o constrangimento ilegal alegado, como é o caso destes autos. Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito, constato, portanto, a existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada. Ante os fundamentos expostos, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a assegurar ao paciente o direito de permanecer em liberdade até a apreciação do mérito do HC nº 77.137/SC pelo Superior Tribunal de Justiça. Caso o paciente já se encontre preso em decorrência de eventual decisão proferida na origem (Autos no 007.01.000701-2), deverá ser posto em liberdade imediatamente, nos termos e na extensão acima especificados. Expeça-se salvo-conduto, em favor do ora paciente, nos termos e para os fins a que se refere o art. 660, § 4º do CPP, de cujo teor deverá constar a parte dispositiva mencionada no parágrafo anterior.

Solicitem-se informações ao Superior Tribunal de Justiça acerca: i) da previsão de ocorrência do julgamento de mérito do HC no 77.137/SP ; e/ou ii) do inteiro teor do acórdão que eventualmente venha a ser proferido no referido habeas corpus. Ademais, requisitem-se ao Juízo da 2ª Vara da Comarca de Biguaçu/SC informação com relação aos seguintes elementos: i) se ainda persiste a decretação da prisão civil do depositário; ii) o inteiro teor da decisão que determinou a prisão civil do ora paciente (Processo no 007.01.000701-2); e iii) cópia dos principais documentos que ensejaram a decretação da prisão civil do paciente para fins de execução. Após, abra-se vista Após, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República (RI/STF, art. 192). Publique-se. Brasília, 8 de março de 2007. Ministro GILMAR MENDES Relator 1 HC n° 72.131/RJ. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1o.8.2003; ADI-MC n° 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.5.2001; HC n° 79.870/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 20.10.2000; HC n° 77.053/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa; DJ 4.9.1998; RE n° 206.482/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 5.9.2003; RHC n° 80.035/SC, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 17.8.2001. 1

Legislação

LEG-FED CF ANO-1967
REDAÇÃO DADA PELA EMC-1/1969
****** CF-1967 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED EMC-000001 ANO-1969
EMENDA CONSTITUCIONAL
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00005 INC-00067
****** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED EMC-000045 ANO-2004
EMENDA CONSTITUCIONAL
LEG-FED LEI-003071 ANO-1916
ART-01287
****** CC-1916 CÓDIGO CIVIL
LEG-FED DEL-003689 ANO-1941
ART-00660 PAR-00004
****** CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED LEI-005869 ANO-1973
ART-00904
****** CPC-1973 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
LEG-FED LEI-010406 ANO-2002
ART-00652
****** CC-2002 CÓDIGO CIVIL
LEG-FED DEL-000911 ANO-1969
ART-00004
DECRETO-LEI
LEG-INT PCT ANO-1966
ART-00011
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
LEG-INT CVC ANO-1969


ART-00026 ART-00027
CONVENÇÃO SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS ASSINADA EM
VIENA, ÁUSTRIA
LEG-INT CVC ANO-1969
ART-00007 ITEM 7
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ASSINADA EM
SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, OEA
LEG-FED SUM-000691
SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
Legislação feita por:(TCR).
fim do documento
AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL.
JURISDIÇÃO CONCORRENTE. FORO DE ELEIÇÃO. ILÍCITO
CONTRATUAL.

O foro local não é o competente, eis que o contrato firmou a
competência do Uruguai para eventual demanda, que ora se
processa. Não há como se relativizar a competência do foro, eis
que os agravados não são hipossuficientes – são autores de
outras ações do porte que corre em primeiro grau -, podendo se
deslocarem ao foro do Uruguai para se defenderem na demanda
que ajuizaram contra o agravante.

AGRAVO PROVIDO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70005228440 PORTO ALEGRE
BANKBOSTON N A SUCURSAL URUGUAI E
FEDERAL STREET INVESTIMENTOS S/A, AGRAVANTES;
NED SMITH JUNIOR E
DYRFORD INVESTMENT S/A, AGRAVADOS;
BANK BOSTON BANCO MÚLTIPLO S A,
ERNESTO CORREA DA SILVA FILHO,
CETRO CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS LTDA E
PRODESENHO PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA., INTERESSADOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
Desembargadores GUINTHER SPODE, Presidente/Revisor e MÁRIO JOSÉ GOMES
PEREIRA.
Porto Alegre, 08 de abril de 2003.
DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA,
Relator.

RELATÓRIO

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (RELATOR) – Trata-se de Agravo de
Instrumento interposto por BANKBOSTON N A SUCURSAL URUGUAI E FEDERAM
STREET INVESTIMENTOS S/A, em face da decisão que julgou improcedente a exceção
de incompetência que propôs contra NED SMITH JÚNIOR E DYRFORD INVESTIMENT
S/A. Alega que os ora agravantes entraram com Ação de Indenização contra o Banco de
Boston genericamente, sem fazer distinção entre o ora agravante e o BankBoston Banco
Múltiplo S/A, que são pessoas jurídicas distintas, dotadas, cada uma, de personalidade
jurídica própria, não possuindo uma ingerência na outra. Aduz que o contrato foi firmado
com ora agravante, elegendo como foro de eleição o Uruguai. Sustenta que a exceção de
incompetência que argüiu não poderia ter sido decidida como a Exceção de n.º 10568462,
que foi proposta pelo interessado Bankboston. Postula a concessão do efeito suspensivo
ao recurso e, ao final, o provimento do mesmo, para que seja declarada a incompetência
da Justiça Brasileira para conhecer e julgar a Ação Ordinária de Indenização ajuizada
pelos ora agravados, estabelecendo-se, por via de conseqüência, como competente o
foro contratual livremente eleito pelas partes, qual seja, a Justiça Uruguaia.
Foi deferido o efeito suspensivo.

Em resposta, alegou NED SMITH JÚNIOR e DYRFORD INVESTMENT S.A,
preliminarmente, em apertada síntese, que a 2ª Câmara Especial Cível está preventa
para o julgamento do agravo, pois já discutiu a matéria, quando ventilada em agravo
anterior.

Quanto ao mérito, alegou que a competência para o julgamento da causa é
brasileira, pois o Banco de Boston uruguaio é uma filial da matriz, que se encontra nos
Estados Unidos da América, assim como o Banco brasileiro também é uma filial do
poderoso grupo econômico. Desta forma a empresa que se beneficia de marca
mundialmente conhecida tem o dever de responder por meio de sua filial pelos atos
ilícitos praticados pela sua congênere não podendo a causadora do ilícito se beneficiar da
distinção da personalidade jurídica para se esquivar de sua obrigação. Destacou que com
escopo no art. 88, I, III e § único do CPC o banco tem que responder sob a jurisdição
brasileira.
Alega que o banco demandado deve compor a lide como litisconsórcio
passivo.
Destaca que a cláusula de eleição do foro deve ser declarada ineficaz, pois
a competência do juiz brasileiro para apreciar a causa não pode ser afastada pela
vontade das partes.

Por fim, propugnou que fosse declinada a competência para a 2ª Câmara
Especial Cível e, ou, fosse negado provimento ao recurso.
O feito foi levado para julgamento, sendo que em sessão de 26.11.2002,
após este relator ter votado pelo provimento do agravo, em regime de discussão foi
adiado o mesmo. Em seguimento, no dia 3.12.2002, a Câmara determinou diligências, a
fim de que o Banco Central verificasse o confinamento ou não da operação realizada
entre as partes, no Brasil.

Oficiou o Banco Central dizendo que não tem interesse no feito, bem como
informando que “não conseguiu identificar, em seu banco de dados que contém
informações sobre saídas e ingressos de recursos de/para o País, seja em moeda
nacional ou estrangeira, quais dos registros ali encontrados podem ter como origem as
operações descritas pelos autores da ação de indenização. De qualquer forma, continuam
sendo efetuadas diligências nesse sentido, bem como para identificar possíveis
irregularidades na esfera cambial envolvendo as citadas operações” (fl. 212).
É o sucinto relatório.

VOTO

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (RELATOR)

– Tenho que deva ser dado
provimento ao agravo, conforme já me manifestara por ocasião do início do julgamento:
“A causa posta em discussão é quanto à competência em razão do lugar
para o julgamento da presente ação, face contrato assinado por parte brasileira com parte
uruguaia, onde existia cláusula de eleição de Foro.

O contrato em tela é um contrato internacional, conforme convencionado
pela Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos contratos internacionais –
México – 1994, cujo Brasil é signatário1, onde está previsto que: “Artigo 1 – Entende-se
que um contrato é internacional quando as partes no mesmo tiverem sua residência
habitual ou estabelecimento sediado em diferentes Estados Partes ou quando o contrato
tiver vinculação objetiva com mais de um Estado parte”. Assim, as normas pertinentes à
aplicação no caso concreto estão inseridas no artgs. 9º e 12 da LICC e artgs. 88/90 do
Código de Processo Civil, bem como convenções e tratados cujo Brasil é signatário.
“Antes de adentrar-se no mérito, urge a necessidade de afastar-se a
competência da 2ª Câmara Especial Cível para o julgamento da causa, posto que a
mesma tem somente competência para julgamento quando da distribuição nas férias
regulares desta casa, pois terminados os recessos de julho ou janeiro a competência para
julgamento é das Câmaras regulares, rompendo com qualquer vinculação existente.
Desta forma desacolho a preliminar de incompetência.
“Quanto ao mérito, após longo pensamento, tenho que a competência para o
julgamento da causa é do Uruguai, pois no contrato firmado pelas partes existe foro de
eleição.

“Diferente do que possa parecer, as partes agravadas, NED SMITH JÚNIOR
e DYRFORD INVESTMENT S.A, não são hipossuficientes frente ao banco, já que Ned
Smith é o responsável pela empresa Dyrford, conhecendo os meandros dos mercados,
devendo não ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor a causa por esta razão e,
também, porque a parte não era consumidor final do serviço contratado, já que, conforme
dito na p. 166, o agravado concentrou seus investimento e de terceiros que tinha
responsabilidade no banco, claramente demonstrando que não era o consumidor final
do serviço prestado.

“Afastada a aplicação do CDC, norma que permitiria a relativização da
cláusula de eleição do foro, tenho que não se aplica o art. 88, I e III e § único do CPC à
espécie, pois o foro de eleição é válido.

“A obrigação foi contraída por pessoa maior e capaz, não sendo
demonstrado qualquer vício de consentimento que pudesse macular o clausulado. Desta
forma, conforme art. 9º da LICC, tenho que para qualificar e reger a obrigação contratada
deve-se a lei do país onde se constituiu a obrigação. Caso não houvesse foro clausulado,
entendo que aí prevaleceria o art. 88, I e III e § único do CPC, mas como se trata de
direito disponível, entendo que não é possível manter a competência em território Pátrio,
sob pena de causar uma instabilidade jurídica. Aliás, nesta senda, já explicitou Caio Mário
em sua obra Lesão nos Contratos, 4ª ed. p. 110, que: “Ter-se-á assim, sob o pretexto de
resguardar a regra moral, e restabelecer a justiça no contrato, um resultado que na
essência é divorciado da mesma regra moral e atentatória da mesma justiça.
“Uma vez que o direito forneça o meio de faltar o contratante à fé jurada, e
venha em abono da atitude assumida pela parte inadimplente, é todo o comércio jurídico
que sofre, é a insegurança que se institui como norma, é a infidelidade protegida pela lei
que abala e ameaça todo o edifício do direito obrigacional, lançando o germe da
desconfiança e do receio nos meandros da vida econômica.
“Se o pretexto de fazer justiça é que leva à própria injustiça e se é o direito
que consagra a quebra da fidelidade sob color de afinar-se com a regra moral, no fundo
que se desprestigia é a justiça e quem se desvaloriza é o direito.”
“A cláusula de eleição de foro, no direito pátrio, encontra-se em pleno vigor,
eis por que o art. 111 do CPC preconiza a faculdade das partes de disporem da
competência territorial para a solução de suas lides.
“Assim também está cristalizado na súmula 355 do Supremo Tribunal
Federal que preceitua:
“É válida a clausula de eleição de foro para os processos oriundos do
contrato”.
“Ademais, como se trata de contrato internacional, cabe à espécie a
aplicação do Código de Bustamente, ou seja, da Convenção de Direito Internacional
Privado Dos Estados Americanos, firmada em Havana, na data de 1928 e promulgada
pelo Brasil em 13-8-1929 pelo Decreto nº 18.871, já que a mesma preceitua em seus
artigos, que seguem, a obediência do convencionado em contrato, como segue:
“Art. 166 – As obrigações que nascem dos contratos têm força de lei entre
as partes contratantes e devem cumprir-se segundo o teor dos mesmos, salvo as
limitações estabelecidas neste Código.
“Art. 318 – O juiz competente, em primeira instância, para conhecer dos
pleitos a que dê origem o exercício das ações cíveis e mercantis de qualquer espécie,
será aquele a quem os litigantes se submeterem expressa ou tacitamente, sempre que
um deles, pelo menos, seja nacional do Estado contratante a que o juiz pertença ou tenha
nele o seu domicilio e salvo o direito local em contrário.
“Art. 321 – Entender-se-á por submissão expressa a que for feita pelos
interessados com renúncia clara e determinante do seu foro próprio e a designação
precisa do juiz a quem se submetem.”

“Assim, pelo exposto, voto pela rejeição da preliminar e provimento do
agravo para reconhecer a ilegitimidade da justiça local para conhecer da ação, face o foro
eleito pelas partes”. (fls. 179/185).
É como voto.


DES. GUINTHER SPODE, Presidente – De acordo com o Relator.
DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA – A hipótese em exame envolve contrato
internacional impendendo que se examine da competência do juízo estatal e da legislação
que rege o caso concreto.

Na esfera do direito internacional privado cumpre analisar-se o conteúdo das
cláusulas referentes à escolha da lei e do foro do contrato, pois apesar de distintos, uma
tem implicação direta na outra.

Em decorrência da cláusula de eleição de foro, é estipulado o foro no qual
ser]ao apreciadas e julgadas eventuais controvérsias do contrato. As partes podem, a
princípio, livremente convencionarem esta cláusula, salvo eventuais limitações existentes
no ordenamento jurídico do foro eleito e também daquele das partes contratantes.
Difere da cláusula de eleição da lei aplicável ao contrato, através da qual é
convencionada a legislação a ser observada tanto pelas partes quanto pelo órgão
julgador. Além da limitação imposta pela ordem pública, há ordenamentos que
expressamente vedam a livre estipulação da lei aplicável ao contrato.
E em relação às cláusulas de eleição da lei, o art. 9º, caput, da Lei de
Introdução ao Código Civil, não contemplou, no direito pátrio, a autonomia da vontade
como elemento de conexão, impossibilitando que as partes livremente estipulem qual a lei
aplicável ao contrato internacional firmado pelas mesmas.

Esta distinção é de suma importância, pois, conforme salienta Nadia de
Araújo, apesar da influência que uma cláusula exerce na outra, ambas não se confundem:
“É preciso deixar bem claro que a cláusula de eleição de foro e de lei aplicável ao contrato
não se confundem. Pode-se escolher um determinado foro para discutir os litígios
advindos da relação contratual e naquele local utilizar-se a lei de um terceiro país no que
diz respeito às regras materiais concernentes ao contrato em questão. No entanto, a
redação e a escolha dessas cláusulas deve ser feita em conjunto, de modo que se o foro
escolhido proibir a autonomia da vontade, a cláusula de lei aplicável poderá ser invalidada
pelo juiz que estiver discutindo a questão em face de uma proibição da lei local. Dessa
forma, estão interligadas e as conseqüências de uma determinada escolha influi na outra
cláusula” ( A autonomia da vontade nos contratos internacionais –0 direito brasileiro e
países do Mercosul: Considerações sobre a necessidade de alterações no Direito
Internacional Privado Obrigacional do Bloco. Palestra proferida no Curso de
Especialização ‘O Novo Direito Internacional’ promovido pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 16.07.1999, p. 7).

Assim também já se posicionava Arnoldo Wald acerca do tema, ao ressaltar
que embora as cláusulas de eleição de foro e de lei aplicável a um contrato sejam
distintas, devem ser analisadas conjuntamente: “Os dois problemas, embora
materialmente conexos, são distintos, importando a cláusula eletiva de foro na concessão
de uma competência contratual à Justiça de determinada cidade ou de certo país,
enquanto a escolha de lei estrangeira para firmar as conseqüências jurídicas do contrato
se fundamentam no princípio da autonomia da vontade e estabelece o regime jurídico
substantivo aplicável à relação jurídica. A primeira questão é puramente processual e se
apresenta tanto no plano nacional como internacional, sendo a segunda tipicamente de
direito internacional privado” (Validade das Convenções sobre foro de contrato. Estudos e
pareceres de Direito Comercial. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1972, p. 261).
Como visto e consoante os ensinamentos de Eduardo Espínola, “quando se
suscita balguma questão de direito internacional privado, o primeiro problema, que se
apresenta, é o da autoridade competente para o exame e decisão da controvérsia” e
superada a questão da competência do órgão julgador deverá este verificar qual a
legislação aplicável ao caso. A primeira questão a ser abordada é, portanto, a da
competência e validade da cláusula de eleição de foro para que, após, possa ser
analisado o disposto pelas partes no tocante à lei aplicável ao contrato firmado pelas
mesmas.

No caso em apreço, considera-se válido o pacto de eleição do foro e
também da lei a ser aplicada, qual seja, a da República Oriental do Uruguai.
E obrigacional a matéria, procede-se à verificação da validade à luz do
ordenamento jurídico do país em que se constituiu a obrigação, cabendo notar que a
resultante de contrato se reputa constituída no lugar em que residir o proponente (Lei de
Introdução ao Código Civil, art. 9º, caput e 2º).
Repita-se: O caso presente diz com a cláusula de lei aplicável aos contratos
e também com a eleição de foro para solver as controvérsias.
E no passo, há que se prestigiar o princípio da autonomia da vontade na
determinação do foro e da lei aplicável.
Na espécie, indeterminado o local da celebração dos contratos, deve
prevalecer o do proponente (ora agravante), qual seja, a República Oriental do Uruguai.
A hipótese repita-se, é de legislação e jurisdição uruguaia, sendo
incompetente a justiça local para conhecer e decidir as causas que aqui tramitam.
Por tais razões, manifesto-me pelo provimento do recurso de agravo.
Agravo de Instrumento n.º 70005228440, de PORTO ALEGRE - A decisão é a seguinte:
“DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME”.
Julgador(a) de 1º Grau: Leo Romi Pilau Junior.
RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
RECORRENTE : FRANCISCO FERREIRO GERPE -ESPÓLIO
ADVOGADO : ANNALICE MEDEIROS AGUIAR E OUTRO
RECORRIDO : MARIA ELENA NOVO BLANCO
ADVOGADO : JESUS QUINTANS NOVO E OUTRO

EMENTA

Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da
Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados
no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença
estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da
Lei de Introdução ao Código Civil.
1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens
realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de
homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo
Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis.
2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução ao Código Civil).
3. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e Ari Pargendler
votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto
Gomes de Barros.
Brasília (DF), 8 de novembro de 2005 (data do julgamento).

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Espólio de Francisco Ferreiro Gerpe interpõe recurso especial com
fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão da Décima
Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim
ementado:
"AÇÃO DECLARATÓRIA.
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.
NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA.
DIREITO À MEAÇÃO. CASAL DE ESTRANGEIROS.
SEPARAÇÃO NO EXTERIOR. HOMOLOGAÇÃO DA
PARTILHA. IMPOSSIBILIDADE.
Não se vincula ao processo, em razão do princípio da
identidade física, o Juiz que, embora tenha presidido a audiência, não
colheu provas.
Não se admite, em território nacional, a execução de
sentença estrangeira que fira a norma do art. 89, do Código de Processo
Civil.
Sentença confirmada" (fl. 349).
Opostos embargos de declaração (fls. 354/355), foram rejeitados (fls. 358
a 359).
Sustenta o recorrente contrariedade ao artigo 15, inciso II, da Lei de
Introdução ao Código Civil e 483 do Código de Processo Civil, aduzindo que devem ser
a sentença do divórcio e a respectiva partilha homologadas pelo Supremo Tribunal
Federal.
Alega que a exegese do artigo 89, inciso II, do Código de Processo Civil,
se refere à sucessão causa mortis e não ao procedimento de divórcio e da respectiva
partilha de bens.
Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também,
desta Corte.
Contra-arrazoado (fls. 377 a 381), o recurso especial (fls. 362 a 369) foi
admitido (fls. 388/389).
Opina o Dr. Eduardo Antônio Dantas Nobre, Subprocurador-Geral da República, pelo não-provimento do recurso especial (fls. 394 a 396).
É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 535.646 -RJ (2003/0049909-4)
EMENTA
Partilha de bens. Separação decretada na Espanha. Competência da
Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados
no país. Ausência de necessidade de homologação de sentença
estrangeira sobre o estado das pessoas. Art. 15, parágrafo único, da
Lei de Introdução ao Código Civil.
1. Havendo nos autos, confirmado pelo acórdão, partilha de bens
realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de
homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo
Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa mortis.
2. Não há necessidade de homologação de sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas (art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução ao Código Civil).
3. Recurso especial conhecido e provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
A recorrida ajuizou ação declaratória alegando que casou na Espanha
com o finado Francisco Ferreiro Gerpe em 25/11/43 pelo regime da comunhão parcial,
sendo decretada a separação em 1º/8/73; que, na constância do casamento, o casal
adquiriu bens, sem que houvesse a partilha quando da separação; que o varão faleceu
em 15/1/97; que o pedido feito para habilitar-se no inventário foi negado, porque estava
já separada; que não há dúvida de que tem direito a 50% dos bens adquiridos durante o
casamento.

A sentença julgou procedente o pedido ao fundamento de que provado
nos autos, sem impugnação, que a autora estava casada com o falecido sob o regime
legal da comunhão parcial, sendo impertinente exigir-se a prova de que contribuiu para a
formação do patrimônio comum.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença. Primeiro, afastou a questão da nulidade em decorrência do princípio da identidade física do Juiz, porque o entendimento pacificado é no sentido de que “não se vincula ao processo o
Juiz que, embora tenha presidido a audiência, não colheu provas, justamente como
aconteceu na espécie” (fl. 350). Em seguida, considerou que “a circunstância do
divórcio do casal ter sido feito na Espanha, ocasião em que se fez a partilha dos bens,
inclusive daqueles existentes no Brasil, não tem qualquer importância ou influência para
o desfecho da presente demanda. Aliás, não custa afirmar, só teria, se o nosso diploma
processual não tivesse norma de competência exclusiva, reservando à justiça
brasileira para conhecer ações relativas a imóveis situados no Brasil e, também, para
proceder inventário e partilha de bens aqui situados (art. 89, I e II, do C.P.C.)” (fl. 351).
Assim alicerçado, afastou o argumento de que teria de ser feita homologação da partilha
realizada perante a Justiça espanhola. Advertiu, por fim, que não se admite a execução
de sentença estrangeira que fira norma do art. 89 do Código de Processo Civil.
Os embargos de declaração do espólio recorrente foram rejeitados.
Para demonstrar o cabimento do especial, o espólio recorrente traz
ementa de julgado desta Terceira Turma, sem maiores esclarecimentos, sequer
fazendo a devida demonstração analítica. Em seguida, reproduz trecho de obra
doutrinária contendo precedente do Supremo Tribunal Federal sobre homologação de
sentença estrangeira. Finalmente, indica que a exegese do art. 89, II, do Código de
Processo Civil é sobre sua aplicação nos casos de sucessão causa mortis.
Pelo dissídio, não há como dar guarida ao especial, à míngua dos
requisitos que o autorizam.
Vejamos, então, pela letra "a".

O que chama atenção neste feito é a circunstância de ter havido anterior
pedido de habilitação. De fato, a decisão anterior que indeferiu o pedido de habilitação
deixou muito claro que “a sentença que decretou a separação do casal, na Espanha,
não necessita de ser previamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal para
produzir efeitos no Brasil” (fl. 27), considerando que o art. 15, parágrafo único, da Lei de
Introdução dispõe que “não dependem de homologação as sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas” (fl. 28). Concluiu o Juiz que a sentença espanhola
“não foi proferida para ser executada no Brasil, motivo pelo qual não precisa de prévia
homologação” (fl. 28).

No caso, concretamente, o que se está fazendo é reconhecer, para o que não há necessidade de homologação, que a autora estava, de fato, separada do de
cujus e que pretende ver reconhecido seu direito à partilha dos bens adquiridos durante
a constância do casamento, localizados no Brasil.

Na verdade, o que se pode extrair dos autos é que foi decretada a
separação na Espanha e que essa separação dispensa homologação no Brasil. O
acórdão assinalou que "a circunstância do divórcio do casal ter sido feito na Espanha,
ocasião em que se fez a partilha dos bens, inclusive daqueles existentes no Brasil, não
tem qualquer importância ou influência para o desfecho da presente demanda" (fl. 351).
Com efeito, nos autos há um documento em que se dá notícia de uma
partilha de bens como "trâmite prévio para a execução de sentença de separação
conjugal ditada pelo Tribunal Eclesiástico do Arcebispado de Santiago de Compostela"
(fl. 94), destacada ao final que "transcorrido o prazo previsto no art. 1.079 da Lei de
Julgamento Cível, sem se haver formulado impugnação nem oposição às operações de
liquidação da sociedade de bens aqüestos dos litigantes neste processo de execução
de sentença eclesiástica, realizadas pelo único Contador nomeado Sr. Manuel Rieiro
Alvite, procede sua aprovação, mandando sua protocolização conforme o art. 1.081 da
mesma Lei" (fl. 104v).
Na petição de fls. 111 a 114, a mulher afirma que o documento da partilha
não pode produzir nenhum efeito, seja porque não foi registrado seja porque não foi
homologada a partilha pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, tal equivale a afirmar que,
de fato, partilha houve e se partilha houve, impõe-se considerá-la, o que depende de
homologação já hoje pelo Superior Tribunal de Justiça.
Veja-se que o art. 89, II, do Código de Processo Civil alcança apenas
aquelas partilhas decorrentes de sucessão hereditária. É certo que há precedentes
antigos do Supremo Tribunal Federal entendendo que se aplica o dispositivo também
em casos de partilha oriunda da separação (SE nº 2.446/Paraguai, Relator o Ministro
Antônio Neder, DJ de 17/12/79; SE nº 2.709/Estados Unidos da América do Norte,
Relator o Ministro Antônio Neder, DJ de 22/8/80). Mais recentemente, porém, o Pleno
do Supremo Tribunal Federal passou a considerar homologável a sentença de partilha
de bens em casos de separação, considerando não ofendido o art. 89 do Código de
Processo Civil, na linha de interpretação restrita no sentido de que alcança apenas a
partilha em virtude da sucessão causa mortis (SE nº 3.408/Estados Unidos da América
do Norte, Relator o Ministro Rafael Mayer, DJ de 31/10/85; SEC nº 4.512/Confederação
Helvética, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 2/12/94). Essa orientação está
explicitada por Celso Agrícola Barbi quando menciona que a "disposição legal não se
limita ao inventário, mas também à partilha. Essa, quando houver mais de um herdeiro,
terá também de ser aqui procedida" (Comentários, Forense, 10ª ed., 1998, pág. 299).
Com essas razões, conheço do especial e lhe dou provimento para julgar
improcedente o pedido formulado nesta ação, invertidos os ônus da sucumbência.


TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2003/0049909-4 REsp 535646 / RJ
Números Origem: 200100127485 200213506962 274852001
PAUTA: 21/06/2005 JULGADO: 08/11/2005
Relator
Exmo. Sr. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretário
Bel. MARCELO FREITAS DIAS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : FRANCISCO FERREIRO GERPE -ESPÓLIO
ADVOGADO : ANNALICE MEDEIROS AGUIAR E OUTRO
RECORRIDO : MARIA ELENA NOVO BLANCO
ADVOGADO : JESUS QUINTANS NOVO E OUTRO
ASSUNTO: Civil - Sucessão -Inventário -Partilha
CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho e
Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 08 de novembro de 2005

MARCELO FREITAS DIAS
Secretário
P Á G I N A 1
RECURSO ESPECIAL Nº 498.835 - SP (2003⁄0012233-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS GERALDO EGYDIO RAMEH E OUTROS
RECORRIDO : BELL HELICOPTER TEXTRON INC
ADVOGADOS : CARLA CHRISTINA SCHNAPP
BRUNO DELGADO CHIARADIA E OUTROS
EMENTA
Processo civil. Embargos de declaração. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Competência
internacional. Contrato de arrendamento mercantil internacional cuja execução se daria essencialmente em
território brasileiro. Danos oriundos de fato de bem arrendado com defeito oculto.
- Rejeitam-se os embargos de declaração quando ausente omissão, contradição ou obscuridade a ser
sanada.
- A autoridade judiciária brasileira tem competência para apreciar ação de indenização proposta por
seguradora brasileira, sub-rogada nos direitos de arrendatária também brasileira, contra arrendadora norteamericana
com o objetivo de ser ressarcida de danos oriundos de alegado inadimplemento de contrato de
arrendamento mercantil cuja execução se daria essencialmente em território brasileiro.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos,
prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Filho, por unanimidade, conhecer em
parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de
Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de abril de 2005(data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 498.835 - SP (2003⁄0012233-9)
RECORRENTE : VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS GERALDO EGYDIO RAMEH E OUTROS
RECORRIDO : BELL HELICOPTER TEXTRON INC
ADVOGADOS : CARLA CHRISTINA SCHNAPP
BRUNO DELGADO CHIARADIA E OUTROS
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO

Cuida-se do recurso especial interposto por VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, em ação de indenização proposta pela recorrente contra BELL HELICOPTER TEXTRON INC.

Narram os autos que a recorrida, na posição de arrendadora, celebrou contrato de arrendamento mercantil internacional com a Agropecuária JL, arrendatária, cujo bem arrendado era um helicóptero denominado
BELL, Modelo 407. A arrendatária contratou determinado piloto para que conduzisse o helicóptero dos Estados Unidos da América até o Brasil. A arrendatária celebrou ainda contrato de seguro com a recorrente no qual estavam cobertos danos causados a terceiros, inclusive quaisquer danos causados ao piloto que conduziria a aeronave.

Sucedeu-se que, por alegados defeitos decorrentes de falha mecânica, o helicóptero veio a cair no litoral das Bahamas, próximo à Ilha de Santo André. O piloto sofreu ferimentos e a recorrente, seguradora que era contratada pela arrendatária, pagou as despesas médicas e hospitalares do piloto acidentado.

Propôs, então, a recorrente a presente ação contra a arrendadora (fabricante do helicóptero) com o objetivo de ressarcir-se dos mencionados prejuízos.

A recorrida ofereceu exceção de incompetência, que não foi acolhida em 1º grau de jurisdição.
Inconformada com essa decisão interlocutória, a recorrida interpôs agravo de instrumento para o 1º TACSP.

O acórdão restou assim ementado:
"COMPETÊNCIA INTERNACIONAL - RÉU NÃO DOMICILIADO NO PAÍS - IMPREVISIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO NO BRASIL - AÇÃO NÃO ORIGINADA DE FATO OCORRIDO OU AQUI PRATICADO - CASO DE AÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA POR SEGURADORA BRASILEIRA CONTRA PESSOA JURÍDICA ESTRANGEIRA INDIGITADA CULPADA POR ILÍCITO OCORRIDO NO EXTERIOR - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - RECURSO PROVIDO." fl. 114

Os embargos de declaração interpostos pela recorrente foram rejeitados.
Inconformada, interpôs o presente recurso especial com a alegação de ofensa aos seguintes dispositivos legais:
I - art. 161 e 535, II, do CPC, pois, mesmo após a interposição de embargos de declaração, o Tribunal de origem não se manifestou a respeito de determinados dispositivos legais mencionados pela recorrente e manteve contradições e omissão;
II - arts. 9º, 12 da Lei de Introdução ao Código Civil, 88, I e II, 100, V, do CPC e 988 do CC⁄16, porquanto a tem a autoridade judiciária brasileira competência para apreciar a ação que propôs, pois: a) a recorrida tem representante no Brasil, Líder Taxi Aéreo Ltda, conforme consta de sua página na internet, sendo que essa representante recebeu a citação, considerada válida e eficaz ; b) a obrigação de indenização deveria ser cumprida no Brasil.

Em contra-razões, sustenta a recorrida o acerto do acórdão recorrido porque se trata de obrigação extracontratual.
Inadmitido o recurso especial no prévio juízo de admissibilidade na origem, determinei a subida dos seus autos em sede do posterior agravo de instrumento.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 498.835 - SP (2003⁄0012233-9)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

As questões levantadas no presente recurso especial consistem em saber:
I) se o 1º TACSP rejeitou indevidamente os embargos de declaração interpostos pela recorrente em 2º grau de jurisdição;
II) se é competente a Justiça Brasileira para apreciar pedido de indenização inserto em ação proposta por seguradora brasileira (recorrente) com o objetivo de obter a condenação de sociedade empresária norteamericana (recorrida) ao ressarcimento de valores despendidos por aquela em decorrência de alegado inadimplemento em contrato de arrendamento mercantil celebrado entre a seguradora-autora-recorrente e outrem (segurada-arrendatária), inadimplemento esse consistente em vício oculto no bem arrendado.
I – Da rejeição dos embargos de declaração: A recorrente, nos embargos de declaração interpostos em 2º grau de jurisdição, alegou a existência de contradição e omissão no acórdão embargado. Contradição quanto à constatação de não possuir a recorrida domicílio do país. Omissão quanto à aplicação do § único do art. 100 do CPC.

Ora, tanto em sede de apelação quanto em sede de embargos de declaração, o 1º TACSP apreciou de forma clara essas questões levantadas pela recorrente, rejeitando-as, situação que não configura contradição nem omissão, motivo pelo qual foram os embargos de declaração devidamente rejeitados.
II – Da competência da Justiça Brasileira:
Cuida-se de ação de regresso proposta por seguradora que indenizou danos decorrentes de acidente aéreo, obrigação que cumpriu por decorrer do contrato de seguro que firmou com a arrendatária-segurada, fulcrada na sub-rogação nos direitos da credora.
O contrato de seguro está garantindo danos que porventura decorreram de contrato de arrendamento mercantil internacional subscrito pela arrendadora norte-americana, recorrida, e arrendatária brasileira, Agropecuária JL, não integrante dessa relação processual. A lide está posta entre a seguradora com sede no Brasil e a sociedade empresária norte-americana – arrendadora no pólo passivo. Trata-se, pois, de responsabilidade civil calcada em contrato de seguro atrelado e garantidor de contrato de arrendamento mercantil internacional.
Para fins de fixação de competência, há de ser observado que o contrato firmado entre arrendadora norteamericana e arrendatária brasileira avença execução diferida e que a parte substancial das obrigações dele decorrentes serão cumpridas em território brasileiro, como o exercício da posse e o registro da aeronave, conforme se constata dos fatos desenhados na origem.

Pertinente se mostra a transcrição do seguinte trecho do voto-vencido do acórdão recorrido:
"Consoante se observa do contrato trasladado às fls. 63⁄69, especialmente em sua cláusula
'Registro⁄Localização', os equipamentos e a comprovação do arrendamento deverão durante todo o período contratual estar registrados junto ao órgão brasileiro equivalente a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos.

Nenhum dúvida, portanto, que o arrendamento foi feito para que a aeronave navegasse no território brasileiro, onde o pagamento do aluguel seria efetuado e onde a manutenção e conservação também seria feita.Embora o contrato tenha sido celebrado nos Estados Unidos da América, no Brasil é que a obrigação seria cumprida.

Pelo leasing, a agravante comprometeu-se a permitir o uso pacífico do bem arrendado, com promessa de venda ao final, sendo que essas duas obrigações deveriam ser cumpridas no Brasil.
O arrendatário apenas pagaria o aluguel mensal, para ao final exercer ou não a faculdade de aquisição.

Entendo, portanto, que se as obrigações assumidas deveriam ser cumpridas no Brasil, a regra incidente é a do art. 12, segunda parte, da Lei de Introdução ao Código Civil, combinado com o artigo 88, II, do Código de Processo Civil." (fls. 118⁄119)
Importante frisar que a competência da autoridade brasileira, embora concorrente que é, não se afasta pelo fato de o contrato ter sido celebrado nos Estados Unidos da América ou pelo fato de a arrendadora lá ser domiciliada.
A arrendadora assumiu o dever de propiciar à arrendatária o uso do helicóptero em perfeitas condições, obrigação que restou inadimplida, considerando a existência de suposto defeito oculto que ocasionou a queda da aeronave nas Bahamas, ou seja, antes mesmo da entrada do bem no seu local de destino, causando graves lesões ao piloto.
Trata-se, pois, de pedido de regresso de importâncias oriundas de violação a cláusula de contrato, o qual prevê sua execução no território brasileiro, sendo aplicável à espécie o inciso II do art. 88 do CPC.

Precisa a lição doutrinária do Prof. Arruda Alvim:
"No atual direito brasileiro (art. 88, III) quer o foro do local onde se deve realizar o cumprimento da obrigação (art. 88, II), quer aquele (Brasil) onde ela se constituiu (art. 88, III) são competentes (correlação entre os arts. 88, III e 100, IV, d e 88, II). É certo que se a ação for proposta com base no art. 88, II, há que se desconsiderar o domicílio do réu, por ser irrelevante. Ambos, autor e réu, por outro lado, poderão ser domiciliados no exterior, nos casos de ação proposta com base no n. II do art. 88, justamente porque de competência concorrente se trata.
(...)
Na exegese da atual lei, que é regra de competência internacional, devemos observar que o n. II, do art. 88, não disciplina a hipótese de foro do contrato, mas sim, exclusivamente, do foro do local do cumprimento; já o foro do contrato pode ser considerado como existente, em face da redação do n. III, do mesmo art. 88, pois na realidade, o local da celebração do contrato foi erigido como determinador da competência internacional, dado que é um 'ato praticado no Brasil'. Conquanto não exista explicitamente previsão de foro contratual, propriamente dito, em tema de competência internacional, existe tal previsão – pela força de compreensão do conceito de contrato no de ato praticado no Brasil, art. 88, III – ao nível de competência
internacional. Segue-se, por tais distinções, que: 1º) na competência interna não há previsão de foro do contrato; 2º) diferentemente, porém, o fato de firmar-se no Brasil um contrato, dá competência à autoridade brasileira para conhecer das ações fundadas em tal contrato, pela circunstância única de sua feitura em nosso território. Entretanto, se competente é a autoridade judiciária brasileira, para o conhecimento de ações respeitantes ao contrato, não o será o foro onde foi firmado o contrato (forum contractus), inexistente, entre nós, devendo-se, aqui, ao nível de competência interna, aplicarem-se as regras gerais" (Competência internacional in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo n. 11, dezembro de 1977. São Paulo: Centro de Estudos – pp. 196⁄198).

É vedado às partes, por vontade expressa em contrato, dispor sobre competência concorrente do juiz brasileiro, porque, segundo o Prof. José Ignácio Botelho de Mesquita, as "normas que definem a extensão da jurisdição de um Estado são normas diretamente fundadas na soberania nacional e, por isto, não se acham submetidas à vontade das partes interessadas. Como disse Chiovenda, é 'evidente que a jurisdição, que o Estado se arroga, inspirando-se em supremos interesses nacionais, não pode representar objeto de disposição da parte aos litigantes' (Instituições, 1943 I⁄70). Os limites da jurisdição nacional não podem, por
isto, ser ampliados, nem restringidos, por vontade das partes. As partes podem modificar a competência territorial mas não podem modificar a extensão da jurisdição nacional. Assim, a propositura da ação perante um juiz internacionalmente incompetente, mesmo que sem oposição do réu, não prorroga a competência internacional desse juiz; do mesmo modo a propositura da ação perante a autoridade judiciária de um Estado internacionalmente competente para causa não previne a jurisdição deste contra a de autoridade de outro Estado que, pelas leis do primeiro, também seja (concorrentemente) competente a mesma causa.
Salvo convenção internacional em contrário, é inoperante a litispendência estrangeira (CDC art. 90), de modo que a mesma causa pode ser simultaneamente proposta perante as autoridades judiciárias de dois Estados diferentes. As normas de competência internacional são, pois, normas de ordem pública. Por isto mesmo, não se aplica à competência internacional a conhecida classificação da competência interna que a divide em competência absoluta e relativa. Na verdade, 'o fato de certa causa ser estranha à jurisdição do Estado não é a rigor caso de incompetência (significa, no fundo, a negação da ação) e, talvez, só por
analogia se lhe possa aplicar a regra de incompetência ratione materiae (Liebman, ob. cit., pp. 24 e 25). Se por analogia quiséssemos aplicar esta classificação à competência internacional, teríamos que dizer que a competência internacional é sempre absoluta, ainda quando a a lei admita a competência concorrente de outro Estado" (Da Competência internacional e dos princípios que a informam in Revista do Processo n. 50, abril-junho de 1988 - pp. 52⁄53), lição adotada no percuciente voto do Min. Barros Monteiro no REsp n.
251.438⁄RJ, em cuja ementa, no que interessa, anotou:

"Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos termos do disposto no art. 88,
inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional
concorrente da autoridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arredada pela vontade das
partes."
Forte em tais razões, conheço em parte do recurso especial e, nessa, dou-lhe provimento para reconhecer a
violação ao inc. II do art. 88 do CPC e, por conseguinte, declarar a competência da autoridade judiciária
brasileira para processar e julgar a aludida ação.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2003⁄0012233-9 RESP 498835 ⁄ SP
Números Origem: 10170499 200200383037
PAUTA: 04⁄09⁄2003 JULGADO: 04⁄09⁄2003
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão


Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ARMANDA SOARES FIGUEIREDO
Secretária
Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS GERALDO EGYDIO RAMEH E OUTROS
RECORRIDO : BELL HELICOPTER TEXTRON INC
ADVOGADOS : CARLA CHRISTINA SCHNAPP
BRUNO DELGADO CHIARADIA E OUTROS
ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Acidente
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta
data, proferiu a seguinte decisão:
"Após o voto da Sra. Ministra Relatora, conhecendo em parte do recurso especial e, nessa parte dando-lhe
provimento, pediu vista o Sr. Ministro Castro Filho."
Aguardam os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.
O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 04 de setembro de 2003

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária
RECURSO ESPECIAL Nº 498.835 - SP (2003⁄0012233-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS GERALDO EGYDIO RAMEH E OUTROS
RECORRIDO : BELL HELICOPTER TEXTRON INC
ADVOGADOS : CARLA CHRISTINA SCHNAPP
BRUNO DELGADO CHIARADIA E OUTROS

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO: Trata-se de recurso especial interposto por VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A, com fulcro no artigo 105, III, alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão da Sétima Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, proferido nos autos da ação de indenização proposta pela recorrente em relação a BELL HELICOPTER TEXTRON INC.
O acórdão restou assim ementado:
“COMPETÊNCIA INTERNACIONAL - RÉU NÃO DOMICILIADO NO PAÍS - IMPREVISIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO NO BRASIL - AÇÃO NÃO ORIGINADA DE FATO OCORRIDO OU AQUI PRATICADO - CASO DE AÇÃO DE INDENIZAÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA POR SEGURADORA BRASILEIRA CONTRA PESSOA JURÍDICA ESTRANGEIRA INDIGITADA CULPADA POR ILÍCITOOCORRIDO NO EXTERIOR - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - RECURSO PROVIDO."

Ao relatar o feito, a eminente Ministra Nancy Andrighi proferiu seu voto conhecendo em parte do recurso especial e, nessa parte, dando-lhe provimento para reconhecer a violação ao inciso II, do artigo 88 do Código de Processo Civil e, por conseguinte, declarar a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar a aludida ação.
A fim de melhor examinar a controvérsia, solicitei vista dos autos.
Sobre o tema, a eminente relatora assim se pronunciou, verbis:

"As questões levantadas no presente recurso especial consistem em saber:
I) se o 1° TACSP rejeitou indevidamente os embargos de declaração interpostos pela recorrente em 2° gr au
de jurisdição;
II) se é competente a Justiça Brasileira para apreciar pedido de indenização inserto em ação proposta por seguradora brasileira (recorrente) com o objetivo de obter a condenação de sociedade empresária norteamericana (recorrida) ao ressarcimento de valores despendidos por aquela em decorrência de alegado inadimplemento em contrato de arrendamento mercantil celebrado entre a seguradora-autora-recorrente e outrem (segurada-arrendatária), inadimplemento esse consistente em vício oculto no bem arrendado.

I - Da rejeição dos embargos de declaração:
A recorrente, nos embargos de declaração interpostos em 2° grau de jurisdição, alegou a existência de contradição e omissão no acórdão embargado. Contradição quanto à constatação de não possuir a recorrida domicílio no país. Omissão quanto à aplicação do parágrafo único do art. 100 do CPC.

Ora, tanto em sede de apelação quanto em sede de embargos de declaração, o 1° TACSP apreciou deforma clara essas questões levantadas pela recorrente, rejeitando-as, situação que não configura contradição nem omissão, motivo pelo qual foram os embargos de declaração devidamente rejeitados.

II - Da competência da Justiça Brasileira:
Cuida-se de ação de regresso proposta por seguradora que indenizou danos decorrentes de acidente aéreo, obrigação que cumpriu por decorrer do contrato de seguro que firmou com a arrendatária-segurada, fulcrada na sub-rogação nos direitos da credora.

O contrato de seguro está garantindo danos que porventura decorreram de contrato de arrendamento mercantil internacional subscrito pela arrendadora norte-americana, recorrida, e arrendatária brasileira, Agropecuária JL, não integrante dessa relação processual. A lide está posta entre a seguradora com sede no Brasil e a sociedade empresária norte-americana - arrendadora no pólo passivo. Trata-se, pois, de responsabilidade civil calcada em contrato de seguro atrelado e garantidor de contrato de arrendamento mercantil internacional.

Para fins de fixação de competência, há de ser observado que o contrato firmado entre arrendadora norteamericana
e arrendatária brasileira avença execução diferida e que a parte substancial das obrigações dele
decorrentes serão cumpridas em território brasileiro, como o exercício da posse e o registro da aeronave, conforme se constata dos fatos desenhados na origem. Pertinente se mostra a transcrição do seguinte trecho do voto-vencido do acórdão recorrido:
'Consoante se observa do contrato trasladado às fls. 63⁄69, especialmente em sua cláusula
'Registro⁄Localização', os equipamentos e a comprovação do arrendamento deverão durante todo o período contratual estar registrados junto ao órgão brasileiro equivalente a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos.

Nenhuma dúvida, portanto, que o arrendamento foi feito para que a aeronave navegasse no território brasileiro, onde o pagamento do aluguel seria efetuado e onde a manutenção e conservação também seria feita. Embora o contrato tenha sido celebrado nos Estados Unidos da América, no Brasil é que a obrigação seria cumprida.

Pelo leasing, a agravante comprometeu-se a permitir o uso pacífico do bem arrendado, com promessa de venda ao final, sendo que essas duas obrigações deveriam ser cumprida no Brasil.
O arrendatário apenas pagaria o aluguel mensal, para ao final exercer ou não a faculdade de aquisição.

Entendo, portanto, que se as obrigações assumidas deveriam ser cumpridas no Brasil, a regra incidente é a do art. 12, segunda parte, da Lei de Introdução ao Código Civil, combinado com o artigo 88, II, do Código de Processo Civil.' (fls. 118⁄119) Importante frisar que a competência da autoridade brasileira, embora concorrente que é, não se afasta pelo fato de o contrato ter sido celebrado nos Estados Unidos da América ou pelo fato de a arrendadora lá ser domiciliada.

A arrendadora assumiu o dever de propiciar à arrendatária o uso do helicóptero em perfeitas condições, obrigação que restou inadimplida, considerando a existência de suposto defeito oculto que ocasionou a queda da aeronave nas Bahamas, ou seja, antes mesmo da entrada do bem no seu local de destino, causando graves lesões ao piloto.

Trata-se, pois, de pedido de regresso de importâncias oriundas de violação a cláusula de contrato, o qual prevê sua execução no território brasileiro, sendo aplicável à espécie o inciso II do art. 88 do CPC. Precisa a lição doutrinária do Prof. Arruda Alvim:

'No atual direito brasileiro (art. 88, III) quer o foro do local onde se deve realizar o cumprimento da obrigação (art. 88, II), quer aquele (Brasil) onde ela se constituiu (art. 88, III) são competentes (correlação entre os arts. 88, III e 100, IV, d e 88, II). É certo que se a ação for proposta com base no art. 88, II, há que se desconsiderar o domicílio do réu, por ser irrelevante. Ambos, autor e réu, por outro lado, poderão ser domiciliados no exterior, nos casos de ação proposta com base no n. II do art. 88, justamente porque de competência concorrente se trata.
(...)
Na exegese da atual lei, que é regra de competência internacional, devemos observar que o n. II, do art. 88, não disciplina a hipótese de foro do contrato, mas sim, exclusivamente, do foro do local do cumprimento; já o foro do contrato pode ser considerado como existente, em face da redação do n. III, do mesmo art. 88, pois na realidade, o local da celebração do contrato foi erigido como determinador da competência internacional, dado que é um 'ato praticado no Brasil'. Conquanto não existe explicitamente previsão de foro contratual, propriamente dito, em tema de competência internacional, existe tal previsão - pela força de compreensão do conceito de contrato no de ato praticado no Brasil, art. 88, III - ao nível de competência internacional. Segue-se, por tais distinções, que: 1°) na competência interna não há previsão de foro do contrato; 2°) diferentemente, porém, o fato de firmar-se no Brasil um contrato, dá competência à autoridade brasileira para conhecer das ações fundadas em tal contrato, pela circunstância única de sua feitura em nosso território. Entretanto, se competente é a autoridade judiciária brasileira, para o conhecimento de ações respeitantes ao contrato, não o será o foro onde foi firmado o contrato (forum contractus), inexistente, entre nós, devendo-se, aqui, ao nível de competência interna, aplicarem-se as regras gerais' (Competência internacional in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo n. 11, dezembro de 1977. São Paulo: Centro de Estudos - pp. 196⁄198).

É vedado às partes, por vontade expressa em contrato, dispor sobre competência concorrente do juiz brasileiro, porque, segundo o Prof. José Ignácio Botelho de Mesquita, as 'normas que definem a extensão da jurisdição de um Estado são normas diretamente fundadas na soberania nacional e, por isto, não se acham submetidas à vontade das partes interessadas. Como disse Chiovenda, é 'evidente que a jurisdição, que o Estado se arroga, inspirando-se em supremos interesses nacionais, não pode representar objeto de disposição da parte aos litigantes' (Instituições, 1943 I⁄70). Os limites da jurisdição nacional não podem, por isto, ser ampliados, nem restringidos, por vontade das partes. As partes podem modificar a competência territorial mas não podem modificar a extensão da jurisdição nacional. Assim, a propositura da ação perante um juiz internacionalmente incompetente, mesmo que sem oposição do réu, não prorroga a competência internacional desse juiz; do mesmo modo a propositura da ação perante a autoridade judiciária de um Estado internacionalmente competente para a causa não previne a jurisdição deste contra a de autoridade de outro Estado que, pelas leis do primeiro, também seja (concorrentemente) competente a mesma causa.

Salvo convenção internacional em contrário, é inoperante a litispendência estrangeira (CDC art. 90), de modo que a mesma pode ser simultaneamente proposta perante as autoridades judiciárias de dois Estados diferentes. As normas de competência internacional são, pois, normas de ordem pública. Por isto mesmo, não se aplica à competência internacional a conhecida classificação da competência interna que a divide em competência absoluta e relativa. Na verdade, 'o fato de certa causa ser estranha à jurisdição do Estado não é a rigor caso de incompetência (significa, no fundo, a negação da ação) e, talvez, só por analogia se lhe possa aplicar a regra de incompetência ratione materiae (Liebman, ob. cit., pp. 24 e 25). Se por analogia quiséssemos aplicar esta classificação à competência internacional, teríamos que dizer que a competência internacional é sempre absoluta, ainda quando a lei admita a competência concorrente de outro Estado' (Da Competência internacional e dos princípios que a informam in Revista do Processo n. 50, abril-junho de 1988 - pp. 52⁄53), lição adotada no percuciente voto do Min. Barros Monteiro no REsp n. 251.438⁄RJ, em cuja ementa, no que interessa, anotou:
'Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos termos do disposto no art. 88, inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional concorrente da autoridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arrendada pela vontade das partes.'

Forte em tais razões, conheço em parte do recurso especial e, nessa, dou-lhe provimento para reconhecer a violação do inc. II do art. 88 do CPC e, por conseguinte, declarar a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar a aludida ação." Tenho como escorreita a decisão supratranscrita, uma vez que está assente com a doutrina e a jurisprudência deste Tribunal Superior.

Colhe-se dos autos que a recorrente, empresa seguradora brasileira, ajuizou ação regressiva em face da recorrida em virtude de acidente ocorrido com aeronave arrendada por uma segurada sua, a empresa brasileira Agropecuária JL que, por sua vez, havia celebrado contrato de arrendamento mercantil com a recorrida.

A aeronave seria conduzida de Miami-Flórida para o Brasil pelo Sr. Kamal el Nashar, piloto brasileiro, contratado pela segurada. A recorrente foi contratada para segurar a aeronave de qualquer sinistro, inclusive danos causados ao piloto brasileiro.

Durante o vôo de traslado para o Brasil, devido a pane na aeronave, decorrente de falha mecânica, ela caiu no litoral das Bahamas, tendo o piloto sido socorrido e se submetido a diversas cirurgias e tratamentos, todos custeados pela recorrente.

A responsabilidade da ora recorrida, fabricante da aeronave, ficou comprovada através de perícia realizada por órgão do Governo Norte Americano denominado "Federal Aviation Administration", tendo havido acordo com o piloto brasileiro, confessando a sua responsabilidade e lhe pagando US$ 6.000.000 (seis milhões de dólares americanos) a título de indenização, acordo este homologado judicialmente perante a Corte de Justiça Norte Americana.

A recorrida, citada, apresentou contestação e exceção de incompetência, sustentando que, por se tratar de ação de reparação de danos, o foro competente para processar e julgar o feito seria a Corte Federal Norte Americana, no Estado da Flórida, por se tratar de competência territorial prevista no artigo 100, inciso V, alínea "a", do Código de Processo Civil.

Apresentada impugnação à exceção argüida, aduziu-se, em síntese, que a ação regressiva não se
subsume à norma insculpida no aludido artigo 100, V, "a", do CPC, mas, sim, aos artigos 12 da Lei de Introdução ao Código Civil e 88, inciso II, do estatuto processual civil, sendo competente o foro de São Paulo para processar e julgar a aludida ação regressiva, cidade onde está domiciliada a segurada. Ponderou, ainda, que a obrigação principal estabelecida entre a recorrida e a empresa segurada da recorrente, relativas à operação da aeronave, sua manutenção e pagamento de aluguel, relacionados ao Contrato de arrendamento seriam cumpridas no Brasil.

O juiz de primeiro grau julgou improcedente a exceção de incompetência, declarando competente a justiça brasileira, por entender que a obrigação deve ser cumprida no Brasil.
Irresignada, a recorrida interpôs agravo de instrumento, tendo o Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo julgado procedente o recurso, reformando, por maioria, o decisum monocrático.

Após a rejeição dos embargos de declaração opostos pela ora recorrente, foi interposto recurso especial pela alínea "a", o qual restou inadmitido, tendo o mesmo subido a esta Corte em face do provimento dado ao agravo de instrumento, então interposto.

Primeiramente, cabe esclarecer que a recorrida tem agente no Brasil, qual seja, a Líder Táxi Aéreo Ltda, em São Paulo, a qual foi devidamente citada, tendo comparecido a juízo para responder ao processo, mantendo a recorrida, Bell Helicopter Textron, em sua página na Internet, a menção à aludida empresa como sua agente no Brasil.

Entendo que o disposto inserto no artigo 100, inciso V, alínea "a", do Código de Processo Civil não tem aplicação ao caso sub examen, uma vez que se trata de competência interna territorial, aplicando-se à espécie as regras da Lei de Introdução ao Código Civil e as de competência internacional.

Com efeito, como bem ressaltou a eminente Ministra relatora, fazendo alusão ao voto vencido do Juiz Nelson Ferreira, que reconheceu a competência da jurisdição brasileira, se as obrigações assumidas deveriam ser cumpridas no Brasil, a regra incidente é a do artigo 12 da LICC combinado com o artigo 88, II, do CPC. Realmente, é de se não perder de vista que, além de ter sido o contrato de arrendamento feito para que a aeronave navegasse no território brasileiro, o pagamento do aluguel, a manutenção e conservação seriam aqui realizados, bem como seria feito o registro dos equipamentos e comprovação do arredamento, durante todo o período contratual, junto ao órgão brasileiro equivalente à Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos da América. Enfim, a obrigação seria cumprida no Brasil, local também onde a aeronave seria usada e onde - frise-se - a promessa de venda, ao final, poderia ser exercida.
Finalmente, penso que, se fosse a hipótese de aplicação da competência territorial, não seria o inciso V, letra "a", do artigo 100 do Código de Processo Civil a norma incidente, mas sim o seu parágrafo único, que trata do foro do domicílio do autor, em alternativa ao local do fato, sendo aquele (domicílio do autor) uma faculdade exclusiva do proponente da demanda.
Com estas considerações, acompanho o brilhante voto da eminente relatora, para também dar provimento ao recurso especial, declarando a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar aação.
É o voto.

Ministro CASTRO FILHO
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2003⁄0012233-9 RESP 498835 ⁄ SP
Números Origem: 10170499 200200383037
PAUTA: 04⁄09⁄2003 JULGADO: 12⁄04⁄2005
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS
Secretário
Bel. MARCELO FREITAS DIAS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : VERA CRUZ SEGURADORA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS GERALDO EGYDIO RAMEH E OUTROS
RECORRIDO : BELL HELICOPTER TEXTRON INC
ADVOGADOS : CARLA CHRISTINA SCHNAPP
BRUNO DELGADO CHIARADIA E OUTROS
ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Acidente
CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Filho, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte, do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.


Brasília, 12 de abril de 2005
MARCELO FREITAS DIAS
Secretário